Capítulo XVIII - Dito e feito (bônus)

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 Acordei. O teto era diferente e deveria mudar? Sim. Estava no meio do fim. A simplicidade da meia idade só transmitia a mentira quando você está velho e acabado. Melhor idade é quando você consegue sentar-se e levantar-se logo após. E a indignação nos toma de um jeito que acabamos deteriorando a nós mesmos e agora estou eu aqui.

            Francisquinha levantou e como já conhecia a casa foi ao quarto de Pandora. Não a encontrou. Foi até a cozinha, nada. Ninguém. Todos haviam sumido.

            Saiu e encontrou Pandora vestida num avental cor de pele com babados, que de certa maneira pareciam com os seus, estava cuidando das rosas.

            - É sempre tão bom cuidar da terra! – exclamou Pandora de costas, tinha uma percepção perfeita de tal maneira que conseguia saber quando as pessoas se aproximavam – as flores estão crescendo tão rápido e chove quase toda semana. Tenho que retirar algumas para que não embebedem com tanta água.

            Francisquinha estava parada ainda. Não sabia o que responder. Sempre era assim ao lado de uma mulher como Pandora. As palavras não chegavam, na verdade ela não sabia o que falar.

            - Já passou na cozinha querida? – Perguntou virando-se e colocando o regador no chão. Francisquinha fez um não com a cabeça e Pandora pegou pela mão direta e a levou para dentro.

            A cozinha era grande, maior que o quarto e nem uma cozinheira aparecia o que fez Francisquinha ficar intrigada. Pandora sempre estava rodeada de empregados agora só uns homens ao longe que faziam suas regalias como varrer a casa e arrumar alguns potes que acabavam se espalhando pela casa, coisas que não conseguia fazer. Não que fosse velha, só não conseguia fazer essas tarefas porque lembrava o falecido marido que reinava numa pintura a óleo pendurada na parede da sala de jantar.

            - O que deseja comer? – Pandora disse abrindo algumas portas.

            - Qualquer coisa – E aquilo soava como uma pedra atirada sobre a barrida de Pandora sabia que a menina estava desconfortável.

            - Pode ficar a vontade Francisquinha, essa casa também é sua! – disse ainda de cara para a pia, não conseguia virar porque sabia que Francisquinha a fitava com os olhos de serpente.

O que ela queria dizer com aquilo? Aquela casa não era minha!

            Comeram algumas frutas cortadas, não em cubos, mas do jeito que Pandora improvisou com a ausência de facas – as empregadas deram fim nelas porque Pandora quando soube da morte do marido tentava o suicídio de varias maneiras –, mas do mesmo jeito estava bom.

            - E cadê as mulheres? – Pandora odiava quando chamava as mulheres que trabalhavam na casa dela de empregadas.

            - Foram para o Rio, me abandonaram aquelas ingratas – deu um riso frouxo exibindo que era uma brincadeira – e carregaram minhas facas, eu já estou bem.

            Pandora falava de mais e Francisquinha não sabia como conseguia suportar ficar naquela casa vazia. Contou tudo que aconteceu nos últimos sete anos depois da morte do falecido depois foram para a sala de visitar onde ela tinha uma coisa muito importante para falar.

            - Eu não sei como preparar o vosso coração para falar isso.

            - Fale logo, está me deixando aflita – Francisquinha disse e por alguns segundos pareceu uma mulher já vivida.

            - Francisquinha, seu pai morreu. – Essa frase soou como um tiro bem no peito da pobre menina do seu rosto não transmitia nem uma feição. Continuava rígido e era como uma rocha no oceano gelado. – Não sei o que dizem para te confortar – uma lágrima saiu do canto dos olhos de Francisquinha e percorreu o seu rosto. – O corpo, bem... Não sei se deveria lhe contar isso, não se reconhecia que era ele. Reconheceu pelos seus pertences. Como me conheciam e já tinham me visto com o mesmo da foto que ele carregava me chamaram e eu vi que era ele. – Pandora levantou-se e pegou uma trouxa acinzentada, suja, dentro de um baú no canto do cômodo. – Aqui está – e entregou para a menina que não conseguia pronunciar uma palavra.

            Francisquinha a pegou com as duas mãos e começou a revirar as coisas até que achou uma foto. Uma foto rasgada ao meio. Ele e uma mulher. Uma parte do vestido branco dela aparecia na fotografia.

            - Você deve estar muito triste, vamos até seu quarto e vá descansar um pouco.

            Seguiu Pandora até o quarto que repetia incansavelmente que não era seu e foi dormir. Pandora percebeu que Francisquinha observou demais aquela foto. Ela sabia o significado daquilo e no mesmo instante fez um bilhete para Petúnia, tia de Francisquinha.

            ‘’Não podemos esconder isso dela, não agora que o pai dela se foi. Se você não contar, não se incomode eu conto. ’’

FrancisquinhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora