CAPÍTULO 37: Eu Lembro

194 32 89
                                    

O portal de Neko despejou Rebeca em um corredor desconhecido de Pandora. Ela tropeçou para a frente, espalmando as mãos em uma parede para não desabar no chão. Duvidava que algum dia iria se acostumar com aquilo.

Desde que tinha acordado estava com dois incômodos arranhando a mente. O primeiro dizia que ela tinha de achar Brian o mais rápido que pudesse, que tinha que avisar imediatamente que finalmente tinha se lembrado, que não sentia mais que ele era um estranho e que precisava dele por perto. O outro parecia quase um aviso, um letreiro brilhando dentro de sua mente, informando que não podia deixar a história do diário de sua mãe para lá.

Graças a isso, não tinha conseguido tomar o café direito, nem avisado que iria sair, tampouco conseguia prestar atenção em qualquer coisa que não fossem os flash's de memórias que continuavam a saltar diante de seus olhos – era um milagre não ter sofrido nenhum acidente enquanto se dirigia até a loja de Neko.

Via Brian em todos os lugares. Sorrindo para ela em seu quarto. Contando piadas sem graça para sua avó na cozinha. Jogando dominó com Elisa. Trocando respostas ácidas com Bianca no caminho para a escola. Mas ele não era o único. Enquanto terminava de escovar os dentes, teve que se agarrar na pia para não cair quando uma imagem sua com pouco mais de cinco anos piscou em sua frente. Estava em uma praça, sentada em um banco, com um garoto magrelo e da mesma idade ao seu lado. Seu pai estava um pouco a frente, conversando com uma mulher negra. Narisa e Lorenzo. Isso pelo menos explicava porque tinha se sentido estranha quando viu o garoto no Núcleo. Ele era mais um que tinha esquecido.

Começou a explorar os corredores cegamente. Espiou dentro de diversas portas, vendo salas de aula, laboratórios e depósitos. Tinha visto alguns rostos sutilmente conhecidos também, pessoas que tinha visto no refeitório e na arena. Mas nenhum deles era quem estava procurando. Já estava dando a busca por perdida e se conformando que teria de suportar o incômodo crescente quando deu de cara com Noah em um dos corredores. Ele entortou a cabeça assim que a viu.

– Você deveria estar aqui? – ele perguntou, e acenou com a mão antes que ela pudesse responder. – Deixa pra lá. Esqueci com quem eu estou falando.

Rebeca o encarou.

– Está muito cedo pra você começar a me ofender.

– Não estou te ofendendo – ele replicou – Estou apontando um fato.

– E eu estou indo. Tenha um bom dia.

Ela tentou passar por ele, não estando totalmente confortável em revelar que tinha ido até Pandora por causa de uma sensação. Mas Noah não a deixaria escapar tão fácil. Ele deslizou rapidamente para o lado, bloqueando a passagem de Rebeca como a rocha que bloqueava a saída do túmulo de Lázaro.

– Vai fugir sem me dizer o que está te deixando tão estranha antes? Achei que nossa relação já tivesse passado da fase de desconfiança, coração.

Rebeca estremeceu, mas não de frio.

– A visão que eu tive ontem, com Damion e a minha mãe – ela notou a mudança imediata na postura dele, os ombros tornando-se rígidos apenas em ouvir o nome dele. – Eu não consigo parar de pensar nela.

Noah piscou os olhos lentamente, encarando o chão acarpetado antes de falar.

– É compreensível – ele disse – Foi a primeira vez que você viu o cara que... hm, machucou sua família. É o tipo de coisa difícil de se esquecer.

– Embora seja aterrorizante, não é isso que está me incomodando – Rebeca fez uma pausa, reunindo coragem para continuar. Ele iria rir dela, tinha certeza disso. – Eu... bom, eu...

A Receptora - O Ritual de Iniciação (livro um) Onde as histórias ganham vida. Descobre agora