Capítulo 1

46.6K 1K 32
                                    

                   Se sua vida fosse um tédio completo, sem qualquer emoção ou estimativa e de repente alguém trouxesse algum sentido, você recusaria? Se o primeiro amor fosse além de juras e declarações, se verdadeiras provações fossem necessárias, valeria a pena?

Para mim sim, cada segundo, cada obstáculo, cada lágrima. Por amor eu seria capaz do extremo, eu sou capaz. Mesmo que no final tudo termine sem sentido, eu poderei olhar para trás e me orgulhar da história, das risadas, da tentativa. Nenhuma história de amor acontece por acaso e comigo não foi diferente. 

---------------------------------------------------------------------------------------------

 Segunda aula de química, eu confesso que não era meu forte. Preferia a área humana, me encantava todo o mistério da história, os mapas de geografia, as regras de português. Átomos, tabelas, porcentagem e divisões não faziam minha cabeça. O último ano do ensino médio estava apenas começando e confesso que era um grande alívio para mim. Tudo bem, o colégio tinha suas vantagens, mas a faculdade teria muito mais. Ao meu lado sentava Lara, minha fiel escudeira. Nos conhecíamos desde a infância. Tinha cabelos negros, pele clara, bochecha rosada, olhos castanhos escuros e um sorriso de propaganda de creme dental. Sua simpatia era radiante, mesmo não sendo a mais bonita da escola, conquistava a todos com seu jeito meigo. Gostava disso, de ter uma pessoa que falava por mim e por um exército. Sim, o defeito dela era não parar de falar, o terror dos professores. Nossas conversas eram fáceis, só precisava dar um assunto, como moda, futebol, casamento, filhos ou a cor do batom da professora, para ela tagarelar por longas horas. 

            – As senhoritas me dão a honra de terminar a aula ou vão continuar falando? – o professor Eduardo era calvo, baixinho e bastante ranzinza, mas não era assustador. 

            – Desculpe professor, pode continuar – Lara sabia como sair de uma situação complicadas, diferente de mim.

            O sinal bateu e logo os corredores já estavam lotados de adolescentes eufóricos, escandalosos e nem um pouco educados. Estudávamos no Colégio Mestre Auber, a maioria dos alunos era de classe alta, ou seja, burguesia juvenil. Não, não me incluam nesse grupo, minha avó tinha conseguido uma bolsa pra mim, ela era funcionária da escola então foi fácil. Tudo bem que minhas médias tinham que ser as melhores e não podia infringir nenhuma regra de conduta, mas isso nunca foi um problema. Assim que saímos da sala demos de cara com Bruno. Ele era baixo, loiro, olhos claros e possuía um desejo absurdo de mostrar seus músculos mal definidos para impressionar as garotas. Também nos conhecíamos desde criança, era o tipo de garoto que minha mãe jurava que seria meu marido, o problema é que Lara sonhava com isso também.

            – Como foi à emocionante aula sobre moléculas?

            – Onde você estava? – questionou a carrancuda Lara, obviamente ela imaginava que ele tinha matado aula para se agarrar com uma menina por aí. A preocupação dela não era por ele ter perdido a aula, mas sim por que ela queria perder a aula com ele. Abafei um sorriso.

            – Larinha, já disse que odeio química.

            – O papo está ótimo mas estou com fome, vamos andando – exigi.

            A cantina do colégio era enorme e oferecia um cardápio bem farto, era um espaço grande, com mesas coloridas enfeitadas com arranjos no centro, que acabam sendo alvos dos vândalos. Tinha uma cobertura para os dias de chuva e o clima era agradável, nem muito quente, nem tão frio. A cidade de Belo Vale era no interior, muitos agricultores, empresários com casas para férias e uma pacata população de 7.267 habitantes. As cachoeiras eram atrativos turísticos, a pesca esportiva e a canoagem também atraia turistas das grandes cidades próximas. Não tinha muito do que reclamar, era uma cidade agradável, embora tivesse uma dose mínima de adrenalina e emoções fortes.

            – Helen, você já fez o trabalho de redação?

            – Sim Bruno, por quê?

            – É...eu pensei que você poderia me dar umas dicas, você sabe como sou péssimo – sim eu sabia, ele sempre pedia minha ajuda. Humanas definitivamente não era uma área boa para o meu amigo musculoso.

            – Claro, sem problemas.

            O sinal soou novamente e então fomos para meu segundo martírio: matemática. Lara e Bruno adoravam a matéria, uma afinidade interessante e bem proveitosa para mim já que eles me forneceram as colas no primeiro e segundo ano do ensino médio. Agora eu já sabia bastante coisa, mas nada que me proporciona-se confiança. O professor era rabugento, alto, moreno, com óculos e um penteado estranho e, pra variar, ele não ia com a minha cara.

            – Espero que tenha feito a lista de exercício Senhorita Helen, acho que você vai precisar de nota na primeira avaliação.

            – Sim senhor, já esta em sua mesa – alguém me explica por que cargas d'água isso interessa a ele? Lembrei, é só pra me humilhar e me deixar ainda mais insegura. Até por que as primeiras provas estavam chegando, na verdade seria um simulado de 80 questões com todas as matérias. Meu maior pesadelo desde o primeiro ano. O pior era o fato de não poder colar, seria bem rigoroso, haveria sorteio para misturar as turmas, o que significava que a probabilidade de Lara e Bruno ficarem comigo era nula. Isso me desesperava! De qualquer forma eu teria bastante tempo para estudar já que minha querida vida social era, como posso dizer... nula. Não que isso fosse um problema, eu gostava de ficar em casa, de passar horas ouvindo música, lendo ou escrevendo tolices e meias-verdades. Lara que não aceitava muito essa ideia, ela queria que além de parceira de colégio, segredos e mentiras eu fosse parceira de balada e festa. Porém eu sempre explicava: um, eu odiava músicas genéricas tocando numa altura humanamente impossível de se ouvir por mais de cinco minutos; dois, eu detesta beber, fumar, cheiro de cigarro e pessoas bêbadas; e três, eu não saberia receber uma cantada, flertar com alguém ou beijar alguém, não necessariamente nessa ordem. Ao longo dos meus dezessete anos, beijos, flertes e amores platônicos nunca fizeram parte da minha empolgante história de vida. Os garotos que eu conhecia eram mauricinhos demais, chatos demais, mandões, lerdos, autoritários, marginais, ciumentos, viciados, possessivos, canalhas entre tantos outros adjetivos. Tinha o Bruno também, mas eu não sabia qualificá-lo já que ele era meu amigo, nada além disso.

            – Vou passar na casa da Lara mais tarde, você não quer ir?

            – Ah Bruno, hoje é sexta, vocês vão fazer trabalho mesmo? – sim, por que esses trabalhos sempre acabavam em uma boate ou festa de algum conhecido.

            – Claro que sim, é pra segunda.

            – Tudo bem então, eu passo lá mais tarde. 

            – Ótimo – ele me fazia sentir sempre importante, por mais tolo que fosse. Eu gostava disso, gostava de saber que alguém me queria por perto, mesmo que fosse para pequenas banalidades.

Melhor ParteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora