Ventos para Areia Branca - Capítulo III

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Capítulo 3

Cartas e telefones

O sol já ensaiava o seu ocaso quando, sem mais aguentar o aperto no coração, fui andando até o curral e pedi ao nosso velho e sempre presente capataz Isaurino que preparasse a charrete. Eu tinha definitivamente decidido partir rumo ao centro de Areia Branca. Arrependi-me um pouco por tanta hesitação, já que demorei quase um dia inteiro para resolver-me, e somente no fim da tarde daquele soturno domingo entendi que eu não poderia dormir antes de telefonar para Ducarmo. Quem sabe assim, finalmente tivesse notícias do meu querido neto, pois afinal de contas, não poderia deixar passar em branco aquele mau pressentimento me atormentava desde o início da manhã.

Apesar de estarmos a poucos anos da virada do século, mais especificamente em 1989, o progresso ainda resistia em chegar ao pequeníssimo povoado de Areia Branca, agora parte de Piritiba, município emancipado de Mundo Novo há uns trinta anos. Se hoje eu quiser usar o telefone, ainda tenho que ir ao posto telefônico mais próximo, localizado na praça de Areia Branca, e lá, fazer uma chamada a cobrar, ou pagar alguns Cruzados Novos[1] à vista, sem pendura. Não gosto de abusar dos meus filhos, por isso, sempre que eu vou, pago no ato.

Caso meus filhos queiram comigo falar, aí se inicia então um outro complexo processo, pois têm de ligar para o posto, deixar um recado com a telefonista, uma moça muito simpática por sinal, e por aí vai. Todavia, apesar da sua simpatia, não sou muito fã de telefones. Sempre achei tudo aquilo muito complicado! Por isso, desde que os meus queridos foram morar em Salvador, passei a fazer cada vez mais o que eu sempre os encorajei a praticarem desde criança, a troca de correspondências.

Assim que eram alfabetizados pela professora primária, Léia, a sobrinha de Eupídio, que vinha ao engenho ensiná-los três vezes por semana, eu começava uma prazerosa brincadeira que muito nos divertia, apesar da resistência do pai. Mandávamos cartas uns para os outros, cujos assuntos diversos iam de bilhetes carinhosos a pequenas queixas. Isso quando não escrevíamos sobre qualquer assunto que não queríamos que Eupídio soubesse. Problema o dele se ele nunca quis aprender a ler! Guardo esse acervo de correspondências com extremo carinho no meu baú de cerejeira, herança única que, junto a um pequeno enxoval de três vestidos velhos, no dia do meu casamento recebi dos Alves Lima, família que me criou.

Quando o espaço dentro do baú acabou e comecei a receber cartas e mais cartas, agora então provindas de Salvador, passei a guardar as minhas relíquias nas gavetas de uma grande cômoda de estilo colonial comprada ainda nos tempos dos velhos Miranda. Com o advento dos correios, ao correr dos anos muito melhor estabelecidos na região, mais do que nunca dediquei-me à escrita, e muito rapidamente as gavetas da velha cômoda também se superlotaram de respostas. Mas não me importava, sempre arranjava espaço. Queria as cartas, e ainda bem que o carteiro tinha que transitar pela porta do nosso sítio quando saía de Areia Branca em direção a Piritiba. Ele sempre parava para um cafezinho passado na hora. Com tamanha regalia, quando não estava fazendo crochê, eu gastava os dias inteiros na minha biblioteca, ou sentada na minha cadeira de balanço com uma caneta Bic apoiada na mão direita, e uma prancheta na outra, contando e pedindo novidades para toda a família. Por não ter mais forças para o trabalho duro, esperava a morte chegar me distraindo com os meus livros e com as minhas cartas, redigidas em folhas de papel especial, cheiroso, gentilmente presenteado por Ducarmo – essa sim, minha correspondente mais entusiasmada. Não sei onde ela ainda arranja tempo para me escrever em meio à sua tão atribulada vida. Já os meus outros filhos, principalmente os homens, depois de adultos optaram por escrever-me cada vez menos. Acho que o telefone e o progresso da cidade-grande finalmente os seduziram.

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