Um b

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um pub, aberto para o céu noturno, lanternas de papel chinesas iluminam as mesas de madeira. O amigo de uma amiga está com o nosso pessoal na mesa bebendo cerveja, ele tem o cabelo pintado de ruivo, um nariz longo e um sorriso bonito, ele se levanta da mesa para o banheiro. Assim que ele se afasta suficientemente minha amiga se curva pra mim e tocando na minha mão:

— Você devia tentar o Edu. Ele é bonito, também é gay — diz com um sorriso. "Ele também é gay", talvez fosse a cerveja, mas engulo uma resposta. "Mas eu, eu não sou gay".

Talvez fosse a cerveja.

Mas então me calo pra simplificar as coisas. Não respondo pra não iniciar uma discussão. Mas então aquilo ecoa em mim. E talvez seja a cerveja, mas eu afundo. Eu me lembro.

Eu me lembrava vagamente de quando ouvi a palavra proibida, quando em minha cabeça girou o trinco da fechadura secreta. Talvez fosse em uma entrevista de algum ator ou cantor famoso, mais provável que atriz ou cantora. Talvez fosse por causa do David Bowie. Ou um burburinho sobre Leonardo Dicaprio. Talvez fosse em algum livro, ou talvez fosse apenas a Natureza em curso, e eu descobrindo de uma maneira óbvia aquilo em mim, tudo ao meu redor.

— O que é bissexual?

— Significa que você curte caras e meninas, os dois — alguém me diz. No meu âmago, no meu mais íntimo, senti uma confirmação. Era algo que eu sabia estar lá. Soltei a respiração que eu não sabia estar guardando.

"Mas eu não sou gay".

Lembro vagamente da minha mãe me perturbando se eu estava namorando uma amiga de escola quando eu tinha 12 anos. Eu lembro de achar aquilo um absurdo na época, nem tinha beijado. Quero dizer, beijado sério, como as pessoas beijam de verdade, o máximo tinha sido bater sem querer a cabeça em outra pessoa e os lábios se tocando. Lembro de andar com meus dois melhores amigos. Lembro de passar mais tempo com eles do que com as meninas, de ficar conversando ou brincando no recreio ou depois da aula, de explorar o além do muro da escola com eles...

E aí, deve ser a cerveja. Eu me lembro de ter 16, sozinho no meu quarto à noite e imaginar uma das meninas da escola. Ela era alta, magra, uma mecha dos cabelos castanho-claros pintada de roxo e lábios bem vermelhos, no fim do período de aulas, naqueles dias quentes de verão em que todo mundo se deixava ficar sentado do lado da escola, comprávamos sorvete e ficávamos sentados na calçada, ela amarrava a camisa do uniforme da escola deixando a barriga à mostra. Ela namorava. O cara era alto, loiro, ligeiramente musculoso e usava um brinco na orelha. Era um típico jogador de basquete. E eu me lembro de sentir um arrepio quando chegava perto deles. E eu me lembrava de sentir um ligeiro choque elétrico ao imaginar os dois...

"Sou bissexual", digo para um cara no nosso terceiro encontro, do lado de fora de um shopping. Os dois com sorvetes na mão: o meu de chocolate, o dele de pistache. Foi um jeito abrupto e estranho de me assumir pra ele, mas é assim na maioria das vezes, nunca fiquei bom nisso. Eu sinto o rosto queimando. Ele pisca duas vezes e sorri.

— Não tem problema. Por mim tanto faz.

Ele ainda segura o sorvete dele, intocado. Uma gota escorre pela sua mão.

— Mas, ãhn, você já saiu mais com qual?

"Não, na verdade eu sou bi"

Na cama, um cara aleatório, ainda suado. Eu deito no travesseiro, ainda olhando o teto, a respiração ofegante voltando a normalizar.

— Então, você é bi mesmo?

— Aham.

— Mas... você faz exames pra DST, não é? — ele olha pra mim, tentando ser descontraído, mas obviamente confuso e constrangido.

E eu novamente não sei o que responder. E não tenho sorvete nas mãos pra fingir não falar nada, e não tenho uma cerveja, porque tenho um copo vazio de cerveja nas mãos agora. E o garoto ruivo, o Edu, de alguma maneira já voltou pra mesa. E eu me convenço secretamente de que ele nem é tão bonito assim. E bebo um longo gole, pra mim mesmo. E os meus amigos riem de alguma piada que eu perdi, e eu finjo que escutei e forço uma risada. E a minha risada flutua, muito pouco, não mais alto que as lanternas de papel em cima das nossas cabeças e morre logo, em silêncio com a minha voz.

Um BOnde histórias criam vida. Descubra agora