40- PRISMA

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— Não! — Miou Tony ao meu lado, antes de cair sentado, virado em soluços e lágrimas.

Senti vontade de matá-lo. Ele era o problema. Uma vez morto, tudo se resolveria. 

Quem eu estava tentando enganar? Só de olhar para aquela criatura inconsolável, já tinha certeza de que não seria capaz. Esperei que se acalmasse antes de abrir a boca:

— Eu achei que você tinha aprendido. Pensei que a morte de Tam tinha te ensinado. — Minhas palavras eram proferidas em tom de sussurro, mas com tanta violência quanto os gritos de Tomas minutos atrás. — Existem algumas coisas no mundo que valem mais do que o seu rosto perfeito. Essa máscara já matou dois gigantes. Quem será o próximo? — A raiva fez com que eu também começasse a chorar, interrompendo o sermão.

— Me desculpa.

— Logo que te conheci, você me disse para não subestimar o poder das aparências. Por que não ouve as próprias palavras? Por que não abandona essa forma de uma vez por todas?!

— Me desculpa. — Era tudo o que ele era capaz de resmungar. — Eu não posso.

— Por que não?!

— Ela é o que eu sou.

— Aí que está a graça, Tony. Você pode mudar quem você é.

— Não, eu não posso. Com algum esforço, eu consigo refletir a imagem de outras pessoas. Mas eu não posso mudar o que eu sou.

Eu não estava com paciência para aquele tipo de ladainha. "Uma pessoa não pode ser assim tão incoerente", pensei. "Você esconde algo, Anthony. Eu ainda descobrirei o que é". Fucei a mochila de Tomas em busca de mais comida. Encontrei apenas pão e queijo.

— Merda. Acho que nunca mais vou comer uma daquelas tortas de leite.

— Nem carne de bisão. — Lembrou Tony.

— Nem mesmo chá de brumia. O que fazemos agora? — Mais uma vez, tínhamos falhado. Sem saber o que fazer, eu tentava encontrar qualquer motivação capaz de me sustentar de pé.

— Fugir?

— Ainda tem o Levi. — Me irritei.

— Ele não tem mais ninguém. — Tony murmurou, amargamente.

— Ainda assim, nós fizemos uma promessa! — Insisti.

— Uma promessa para um homem morto.

— Eu estou vivo. Você também. Ainda preciso cumprir minha palavra com você, e vice-versa. — A verdade era que eu só não queria perder o sentido que me guiara até ali. Sem aquele objetivo, eu não tinha certeza de que seria capaz de seguir em frente.

— Seus valores trabalham de um jeito estranho, Romeo.

— Você estranha a existência de valores, não a maneira como trabalham. — Respondi, seco.

— Que seja. — Tony já não chorava mais, exceto por soluços ocasionais, cada vez mais espaçados. — Quer ver uma coisa? Uma coisa que eu nunca mostrei pra mais ninguém?

"Isso," pensei, cheio de expectativa, depositando minhas últimas gotas de motivação na curiosidade que ele me despertava, "confie a mim o seu segredo". O que, afinal, eu acreditava que fosse capaz de esconder? 

Esperei em silêncio enquanto Tony revirava os bolsos das vestes ilusórias até puxar um pequeno pedaço rasgado de papel fotográfico. Estendeu em minha direção. Era a outra metade da fotografia de Netuno. Essa parte mostrava o rosto de Bianca, sua mãe.

Ela era linda. Completamente diferente de qualquer outra mulher que eu já vira antes. Os cabelos brancos caíam sobre os ombros de maneira desleixada. O rosto suave, fino e levemente arredondado terminava em um pequeno queixo pontudo. Os grandes olhos, nariz e boca, tudo se encaixava perfeitamente. No meio da delicada composição, um sorriso sincero. A verdadeira felicidade.

— Hugo tinha razão. Vocês são idênticos.

— Você mente muito mal. — Tony arrancou a foto de minhas mãos. — Eu nunca tive certeza de que as minhas lembranças eram reais. Até encontrar essa foto no tesouro do Lorde Tritão. — Silêncio. — Durante todo esse tempo, o meu eu de verdade era uma mistura das minhas memórias dela. Algo que eu criei, sem nem mesmo perceber. Sabe, Romeo, você tinha razão o tempo todo. Talvez eu não possa mudar o que eu sou, mas eu posso decidir ser algo além, não é? Projetar uma imagem original. Pensei muito sobre isso enquanto estive só, e descobri algumas habilidades interessantes.

— Como assim? — Eu não estava entendendo aonde pretendia chegar.

— Posso ser quem eu quiser. Você verá. — Ele se levantou. — Vá atrás de Levi se quiser. Eu tenho alguns assuntos particulares para resolver.

— O quê? — Ele não podia estar falando sério. — Sem chance! Está dizendo que não vem comigo? O que tanto você tem pra fazer?!

— Tenha paciência. — Anunciou, sombrio. — O show está apenas começando. — E saiu correndo para fora, subindo a rampa novamente.

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