Capítulo 21 - Isaac

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Relatório de viagem número 39: Ainda não sei em que ano me encontro. As poucas pessoas com quem conversei não sabem ou não se importam com isso. Estou há mais de uma semana nesse mundo pós-guerra e o cenário se mantém o mesmo, independente de onde vamos. As cidades grandes foram totalmente devastadas pela guerra, enquanto as cidades e vilarejos adjacentes sofreram, em sua maioria, apenas os danos colaterais. Um grande percentual de construções segue em ruínas, o que me faz crer que não estou distante do ápice da guerra ou suas consequências foram além da minha imaginação.

A fauna padeceu. Cataloguei uma quantidade ínfima de animais, em sua maioria os mamíferos com maior capacidade de reprodução. Quanto à flora, é difícil relatar. As espécies de plantas mais resistentes estão recuperando as áreas atualmente inabitadas, mas fica inviável fazer estimativas sobre a diversidade sem realizar uma coleta de amostras, o que me foi impossibilitado até o momento. Pelas áreas de plantio que passamos constatei uma grande quantidade de milho e batata, o que me leva a pensar em três possibilidades: o solo sofreu danos que impedem o crescimento de leguminosas com maior exigência nutritiva, os agricultores tem um conhecimento limitado sobre as técnicas de cultivo ou há uma necessidade de produzir um grande volume de alimentos no menor tempo possível.

Infelizmente tive contato com poucas pessoas. Mas a amostragem indica traços primitivos potencializados pelo cenário caótico e um conhecimento limitado sobre qualquer assunto. Pelo que pude perceber, alguns são analfabetos, o que me faz questionar o período temporal para qual a cápsula me trouxe. A sociedade se mantém na grande maioria caucasiana, mas a miscigenação de traços e características físicas sugere que não houve uma segregação de raças no período pós-guerra. A sociedade se uniu. Por opção, ou pela falta dela.

As pessoas não apresentam traços do vírus que devastou a humanidade, o que me leva a crer que ele fora erradicado de alguma forma. Tampouco se ouve falar da tal infecção, e os que sabem, a tratam como uma lenda da guerra. Será que tive sucesso em minha jornada?

Isaac parou de escrever e releu seu texto. A folha do caderno estava empoeirada, mas não impedia o grafite do lápis de deslizar e deixar sua marca. Desde que chegou, tudo o que podia fazer eram observações sobre o mundo no qual estava. Então registrava cada detalhe que considerava importante ou útil para ser analisado no passado.

- O que você tanto escreve? - Perguntou Silas, o homem que estava com ele desde que fora vendido.

- São anotações - respondeu sem olhar para o homem.

Já estava impaciente com ele. Era burro e tinha a mente fraca. Não importava quantas vezes ele explicasse qualquer coisa, alguns momentos depois Silas lhe fazia exatamente a mesma pergunta. Mas ele era instável, tinha uma arma e Isaac não era à prova de balas. Então mantinha uma cordialidade forçada dentro do necessário.

- Hummmm... - proferiu o homem, mais como uma materialização de sua ignorância do que satisfeito com a resposta.

Isaac olhou para ele com a cabeça imóvel, mexendo apenas os olhos, e retomou sua atenção para o caderno de anotações. As poucas velas distribuídas pela sala forneciam a iluminação precária que o permitia escrever. Sua jornada com Silas havia sido, até agora, uma grande perda de tempo. E tempo era tudo o que ele não tinha.

Preciso me livrar desse homem inútil.

­- Poderia me explicar seu plano de novo? - perguntou a ele, sem tirar o olhar do caderno.

Silas interrompeu seu gole na garrafa de uísque, baixou a garrafa e encarou de volta, claramente chateado por ter que lhe explicar mais uma vez sua ideia brilhante.

- Nós vamos voltar até o lugar que pegaram você. E eu vou usar sua... - apontou na direção de Isaac com a mão que segurava a garrafa. Por um momento ele achou que Silas estava lhe oferecendo uísque, mas logo entendeu que ele não lembrava o nome do dispositivo que o fizera viajar no tempo.

As Crônicas do Apocalipse - Livro 1 - O Senhor do Tempo (Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora