35- CALMARIA (Parte I)

23 7 24
                                    

Felizmente, a viagem de volta foi muito mais rápida. Os ventos estavam favoráveis e nenhuma tempestade cruzou com o nosso caminho. Foram trinta dias na companhia de Caleidoscópio e dos gigantes. Eles se mostraram tímidos e relutantes em socializar e eu não me esforcei para conhecê-los. Eufórico pela ideia de comandar uma frota de navios, Tony consumia toda a minha disposição social.

— Está satisfeito agora? — Se vangloriava pela conquista mais uma vez depois de jantar. Estávamos há apenas dois dias de Flora. Eu mal podia esperar para colocar os pés em uma das Ilhas Quentes. Meu apetite por aventuras tinha morrido no momento em que fomos atacados pelo gigante faminto, na primeira ilha do Arquipélago da Prata. — Ou ainda tem alguma dúvida sobre a existência do Reino dos Gigantes?

— Sim, você estava certo. Eu estava errado o tempo todo. — Resmunguei pela décima vez.

— Não fique assim. Agora, poderemos salvar Levi. Não é isso que você tanto queria?

— Parece que seremos capazes de cumprir uma promessa. — Inspirei fundo e soltei uma de minhas raras gargalhadas. — Isso é realmente surpreendente. Só é triste que tenhamos perdido toda a tripulação...

— Não pense nas coisas dessa forma. Foram vinte vidas, em troca de duas mil! Seremos heróis. Mal posso esperar pra esfregar nosso novo exército na cara do Zenit.

— Acho mesmo que devíamos encontrá-lo. Se bem o conheço, deve estar cheio de dinheiro. Além disso, precisamos daquela força em batalha.

— Mas não temos tempo para ficar procurando. Falta um mês para o ataque de Hugo. Ainda há muito há ser feito. Primeiro de tudo, precisamos contatar August e meu pai. Depois, encontrar e mapear as entradas do esconderijo em Cast.

— Georg seria perfeito...

— Georg está morto. — Bebeu um longo gole de rum. — Você será perfeito. Com a ajuda do gigante Tomas, não levaremos mais que uma semana. Depois, precisarei de um tempo sozinho antes do grande dia.

— Por quê?! — Me indignei. Eu nem sei como ainda me surpreendia. Era típico de sua índole. Envolvia dezenas em seus planos. Almejava o impossível, e, quando tudo estava finalmente nos trilhos, daria um jeito de sair sozinho, de tropeçar nos próprios pés e cair morto. Não. Eu não deixaria que se afastasse tão cedo sem nem ao menos dizer o porquê.

— Porque estou com vontade, ué. Tenho que ensaiar uma coisa. Até onde eu sei, não sou preso a você. O quê? — Perguntou diante da minha cara fechada. — Não me olhe como se acreditasse que sempre vou colocar tudo a perder! Por favor. Você poderia, só pra variar, confiar em mim de vez em quando. — Então mudou de assunto: — Você viu o que o Hugo disse sobre a prata?

— O que?

— Ele não pagava meu pai com casti. Ele comprava os materiais com a prata.

— E daí? — Tony às vezes parecia esperar que eu extraísse sentido de um punhado de informações aleatórias, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— E daí que toda a fortuna do Lorde Tritão não pode ser obra de Hugo, como eu sempre pensei que fosse! Olhe aqui. — Ele tirou um castiço imperial do bolso. — Percebe a diferença deste casti imperial para um casti imperial comum?

— Pra falar a verdade, não é como se eu tivesse visto muitos deles na minha vida.

— Ele é mais fino. Percebe? E mais largo. — Aproximou a moeda dos meus olhos, mas eu não era capaz de notar diferença.

— Está dizendo que é falso?

— No começo, eu pensei que sim. Mas alguma coisa nessas moedas me fez sentir nostálgico. — Franzi o cenho, sem entender. — Então eu me lembrei: essas são moedas de fora. Do mundo de fora. De fora de Arasmo. Minha mãe me deu um quando nos separamos. Eu lembro de tê-lo guardado por muito tempo. Você sabe que os casti normais e os casti imperiais tem o mesmo tamanho, né? Mas aquela moeda não. Ela era mais larga e mais fina. Exatamente como as moedas do Lorde Tritão.

PrismaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora