Capítulo Quarenta e Um

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Era uma loucura. Um delírio febril. Eu nunca vira aquele senhor na minha vida, não sabia se o que ele dizia era verdade. Partir em uma viagem para o outro lado do país era ainda mais arriscado. Meus pais, com certeza, não iriam concordar com isso, teria que partir escondido. Uma loucura. Uma loucura sem tamanho.

            Estava frio, coloquei as mãos no meu bolso para tentar aquecê-las, senti um papel entre os meus dedos, um papel amassado, tirei do bolso e o desamassei.

 Desgastado pelo tempo e esquecido, estava um cartãozinho vermelho, que continha algo muito importante:

O meu sonho.

A sorte que outrora uma cigana havia tirado. Na época, nem li e nem me dei o trabalho de jogar fora. Mas agora eu leria.

 No papel estava escrito:

            "Sua sorte de hoje é: ouça sempre os conselhos de quem te ama."

 "Haverá um momento na sua vida (e eu sei que vai, pois acontece com todos) em que você terá que decidir entre o mais seguro ou o que o seu coração quer...", a voz do meu tio Otávio dizia.

Ele respirava através de tubos e sabia que estava perto da morte, me dando o seu último conselho: "E esses 'E se' poderão te matar! Não deixe que os 'E se' entrem em sua vida, ou você será destinado a sentir uma pequena agonia escondida para todo o sempre".

            E se eu puder ter Samaris nos meus braços novamente?

Não importava o que acontecesse, eu não podia deixar o "E se" entrar na minha vida.

            — Ok, eu vou. — Respondi com firmeza. — Me espere em frente ao salão, vou para casa arrumar minhas coisas e estarei de volta dentro de uma hora.

            — Perfeito. Seja o mais rápido que puder.

            — A que horas sai o nosso voo?

            — A hora que quisermos. — Isso queria dizer que por acaso ele tinha um jatinho particular? Resolvi deixar as dúvidas para depois.

— Tudo bem. — Me virei e andei a passos largos em direção à minha casa. O coração batia acelerado, eu podia sentir a adrenalina correndo nas minhas veias, mal podia acreditar no que estava prestes a fazer.

             Quando já estava perto de casa, ouvi alguém me chamar. Era Jéssica andando com um desengonçar típico de quem tem um ser humano dentro da própria barriga:

            — Ick. — Ela diz ofegante. — Ick, você não pode fazer isso!

            — Você estava ouvindo a conversa escondida?

            — Graças a Deus, eu estava! Não posso deixar você fazer essa insanidade!

            — Desculpa, Jéssica, mas se quiser falar algo, me acompanhe. Estou com pressa. — Abri o portão. Pelo silêncio, deduzi que meus pais não estavam em casa. Perfeito!

            No meu quarto, peguei um punhado de quaisquer roupas e joguei na mala de qualquer jeito o mais rápido possível. Jéssica estava logo atrás de mim, observando a minha movimentação, aflita:

            — Ick, você já parou pra pensar na loucura que é isso?

            — Sim, já pensei. — Respondi sem olhar para ela, procurando minha carteira com os documentos.

            — E mesmo assim você pretende continuar com isso? Ele pode ser um sequestrador! Um psicopata! Um maluco! Qualquer coisa! Você pode chegar lá e encontrar um travesseiro que ele chama de Samaris trajando um vestido e...

            — Jéssica, me escuta! — Fechei a minha mala e encarei os seus olhos, eles continuavam tão azuis quanto antes, mas passavam uma sensação muito diferente, ela mudou muito nos últimos meses. — Uma vez, um parente que eu amo muito me falou antes de morrer, que a vida é como uma grande aventura, da qual nenhum de nós sairá vivo, e que a única maneira de fazê-la valer a pena é ouvindo o nosso coração sempre que ele começar a gritar. Falou também que não podemos deixar a incerteza do medo entrar na nossa vida. Essa pode ser a última chance que terei na minha vida inteira de encontrar a Samaris novamente. Pode ser que ela nem me ame mais, pode ser que eu me dê mal, mas qualquer coisa é melhor do que a incerteza! Eu vou! Se não for, passarei a minha vida inteira pensando em como seria se eu tivesse tentado! Todo mundo faz isso! Eu não quero ter uma vida como a de todo mundo! Eu quero mais!

             — Ick!

            Uma voz grave me chamou, logo identifiquei a quem pertencia, não queria acreditar, não podia ser ele. Demorei muito para juntar coragem o suficiente para erguer a cabeça e ver quem estava na porta do meu quarto.

Lá estava meu pai, não faço ideia de quanto tempo, ao julgar pela sua expressão, provavelmente havia de ter escutado o suficiente:

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora