Deixava o pouco restante do sumo natural descer até ao meu estômago, enquanto saía do café e descia a avenida para dar uma nova aula. Lembro-me do dia em que fui forçada a vir para aqui, no dia em que comecei a trabalhar no centro recreativo, no dia em troquei Nice por... Chicago. Ainda parecia triste que uma rapariga com tantas expectativas como eu, a quem foram dadas todas as oportunidades, acabasse igual a tantas outras, mas era a verdade.
Os meus alunos conheciam-me ainda antes de eu lhes dar aulas, sou uma história reconhecida - "a bailarina prodígio franco-americana a quem foram cortadas as asas antes de sequer poder voar". Eu juro que isto foi uma manchete aqui em Chicago, quando eu me mudei e comecei a dar aulas públicas. De resto é basicamente a história de um desastre. Do meu pequeno desastre.
Enfim, parece que por vezes nos fiamos demasiado na bondade das pessoas, acabamos por nos esquecer que, se fosse assim, a vida seria apenas demasiado fácil.
E a vida não é fácil.
Entrei no centro de artes, suspirando pelos meus pensamentos. Cumprimentei algumas pessoas e de resto mexi a cabeça ao som da música alta que emanava do meu telemóvel através dos headphone.
Nunca esperei que o meu futuro se ficasse por esta monotonidade, mas acho que me habituei á normalidade, sem excelência, sem expectativas, só... eu e o que eu gosto de fazer.
Andei ritmamente até ao balneário, ao som de alguma música antiga dos Green Day, atirei a mala para um dos vestiários e mudei-me rapidamente. Quando saí do mesmo, muitas das minhas alunas estavam a conversar, entretidas na confusão e entusiasmo dos seus 15 ou 16 anos. Tentei passar por elas sorrateiramente, o que não foi difícil, visto que a sua atenção estava mais virada para o ginásio, onde rapazes bastante mais velhos treinavam. Rapazes que provavelmente nunca lhes iam prestar atenção, mas não ia estragar a felicidade das raparigas, de qualquer das maneiras.
Choquei contra outra figura baixa, que reconheci como uma das minhas alunas mais recentes.
"Waliyha!" A minha cara devia demonstrar uma mistura de surpresa com simpatia.
"Oh! Não a queria assustar, professora." Ela riu, calmamente. "Tenho de me ir vestir." Ela desculpou-se e continuou a andar, sorrindo.
Suspirei e acabei por rir das minhas próprias figuras. Sinceramente...
A sala de espelhos estava completamente deserta quando lá entrei, constatando o que já era natural - todas as minhas alunas chegariam atrasadas, por causa da testosterona que era exibida como que em montras do ginásio. Deixei as lamúrias de parte e fui alongando, até porque apesar de não ter a destreza ou a leveza de outros tempos, não podia deixar que os meus músculos amolecessem, pois o ballet era demasiado exigente a nível físico.
A conta gotas, as raparigas começaram a chegar e quinze minutos depois da hora lá começamos a aula.
"Espero não vos ter de relembrar de novo para que é que servem os vossos telemóveis. Não é só para irem ao twitter ou ao instagram, eles também servem para ver as horas." Virei-me para as colunas e encaixei o meu telemóvel ao cabo de dados, sentindo um suspiro conjunto. Provavelmente estavam descansadas por eu ter finalmente acabado a minha mini-palestra sobre a pontualidade.
"Comecem com um grand pliê em 1ªposição." Divaguei pela sala, dando dicas e corrigindo movimentos.
(...)
Senti a pele das minhas mãos formigar quando pela terceira vez ouvi um comentariozinho bastante desnecessário no ginásio. O problema dos rapazes musculados é que não só são cheios de hormonas como são cheios de ego. Ego esse que os torna mais desprezíveis do que tecnicamente atraentes.

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swan || z.m.
Fanfiction"Sentia-me a escamar. Todos os dias perdia mais um pouco de mim, cada camada a ameaçar ser a gota de água necessária para me derramar. Já não sei quem sou e duvido ser quem queria ser. Tudo o que quero é o que ele quer porque sinto que o tenho de re...