Capítulo 74

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Cheguei na cozinha no mais absoluto silêncio. Tony estava sentado à mesa com uma xícara de café e um donnut, mas não tocava em nenhum dos dois. Olhava fixamente para a tela de seu celular, como um adolescente viciado.

Sentei o mais distante possível de Tony, o que consistia em duas cadeiras de distância. Não adiantou muita coisa. Não houve bom dia nem sequer troca de olhares. Ambos estávamos evitando contato, causando um clima péssimo.

— Bom dia, querida. – Disse Pepper.

— Bom dia. – Respondi, sem levantar o olhar de minhas torradas.

Tomei café sem apetite, apenas para cessar o roncar do estômago. Após terminar de comer, levantei-me da mesa murmurando um quase inaudível “licença” e voltei para o quarto.

Peguei meu celular. Peter havia me mandado uma mensagem. Tensa, desbloqueei a tela mas não abri a mensagem, lendo-a apenas pela barra de notificações. “Me desculpa, Lena. Eu queria te ajudar, mas acabei fazendo tudo errado! Não acredito que perdi você de novo”, dizia.

Olhei para a tela do celular por um bom tempo, sem saber como responder. O que eu poderia dizer, afinal? Nada do que eu dissesse poderia consertar a grande merda que eu havia feito.

Ainda estava encarando a tela do celular e pensando em como responder a mensagem de Peter, quando ouvi a porta do quarto se abrir às minhas costas. Prendi a respiração. Pepper sempre batia antes de entrar.

Desliguei a tela do celular e fechei os olhos por um instante, soltando um longo e profundo suspiro. Abri os olhos e virei-me de frente para ele. Sim, Tony estava ali, com o olhar sério e abatido cravado em mim.

Sustentei seu olhar com igual seriedade, ambos em silêncio. Não sabia se ele esperava que eu tomasse a frente e falasse algo, mas não havia nada na garganta. Eu apenas continuei em silêncio. Percebendo que eu não diria nada, Tony respirou fundo e disse:

— Acho que temos muito o que conversar.

Sem saber o que dizer, apenas franzi os lábios e acenei afirmativamente com a cabeça.

— Helena, o quê… – Ele respirou fundo – O que você acha que estava fazendo? Ouvindo assuntos que não te dizem respeito atrás da porta, se pegando com o Peter escondido. Você tem ideia do que poderia ter acontecido se eu não tivesse entrado nesse quarto? Se já não aconteceu, aliás.

— Tony, eu… Olha… Me desculpa, tá legal? Eu sei o quanto é difícil pra você lidar com toda a pressão e responsabilidade de gerir a empresa, ser um herói, um bom marido pra Pepper e agora, de um dia pro outro, ter que ser também um bom pai. Mas eu já tenho dezesseis anos. Tem coisas das quais você não vai poder ficar tentando me proteger pra sempre. E sobre ontem na empresa, já que você já sabe que eu ouvi, o assunto me dizia respeito, sim! É de mim que o David quer vir atrás, e você sabe disso.

— Ele quer fazer isso pra me atingir.

— E você não acha mais fácil se livrar disso com a minha ajuda ao invés de ter que se preocupar com o problema e em esconder ele de mim?

— Eu não quero que você viva com medo.

— Não preciso ter medo. Eu sou filha do Homem de Ferro. Sei que você nunca deixaria nada acontecer comigo, e sei também que se me contar as coisas, eu vou poder ajudar você.

— Você vai se meter em encrenca, Helena.

— Não vou! Prometo me controlar e não agir sem falar com você antes. Só por favor não me esconde as coisas. Não me trata como criança. Tony, eu tive que amadurecer muito cedo pra cuidar da minha mãe. Eu comecei a trabalhar com 12 anos porque minha mãe já não conseguia mais e tive que viver durante quatro anos da minha vida vendo ela piorar a cada dia. Ela morreu na minha frente. Acha mesmo que eu não tenho maturidade o suficiente pra lidar com problemas?

— Você passou por muita coisa, não foi?

— É. Assim como você.

Ele deu um sorrisinho triste.

— E sobre o Peter… – Engoli em seco – Não aconteceu nada.

— Eu confesso que ainda não sei o que pensar. Estou tentando digerir o que vi ontem.

— Sei que ele não deveria estar no meu quarto… E deveria estar vestido. Mas foi um momento de impulso.

— Helena, eu até entendo porque já tive a sua idade e sei como vocês se sentem, mas isso é sério. Um descuido e você pode imaginar o que poderia acontecer? E se você pega alguma doença? E se você engravida, Helena? Você é madura, mas não o suficiente pra isso. Você tem ideia do perigo constante em que essa criança viveria?

— Você tá surtando por uma hipótese que não tem chances de acontecer. Eu tenho, sim, noção do caos que tudo iria virar, e tenho cabeça o suficiente pra não fazer uma besteira dessas.

— Você já tava fazendo besteira, Helena.

Abri a boca para responder, mas me calei. Não havia argumento para dar.

— Eu quero dar a melhor vida que você pode ter, mas pra isso você precisa me ajudar. – Disse ele, num tom mais brando.

— Acho que nós dois precisamos nos ajudar.

Ele olhou para mim sem entender.

— Eu quero muito que a gente consiga conviver bem, Tony, mas pra isso você precisa entender que eu já passei da fase de ficar quietinha no quarto brincando de boneca.

— Onde está querendo chegar?

— Eu amo o Peter.

— Helena…

— Antes de falar, me escuta. – Soltei, séria.

Tony se calou, num suspiro impaciente. Respirei fundo e falei:

— Olha, eu quero te pedir desculpas por tudo o que falei ontem. Foi da boca pra fora! Eu tava brava e falei sem pensar. Você não é covarde! É o homem mais corajoso, forte e incrível que eu já conheci, em quem eu já me inspirava muito antes de sonhar que era meu pai! Só o que eu te peço agora é que você me entenda, tá legal? Eu sempre fui uma pessoa fechada e nunca dei muita abertura para garoto nenhum. O único cara pra quem eu dei uma chance se aproveitou de mim e me deixou depois de dois meses. E quando eu já tava decidida a não deixar mais ninguém se aproximar, o Peter apareceu e conseguiu reverter isso. Mesmo levando foras todos os dias, ele não desistiu de mim e sempre esteve do meu lado. Ele, assim como você, leva uma vida dupla e carrega nas costas a responsabilidade de salvar pessoas e, ainda sim, ter uma vida pessoal. E mesmo com toda a correria e a responsabilidade de ser um herói, ele esteve ao meu lado o tempo todo, e nunca me deixou na mão quando precisei dele. Eu amo o Peter, e vejo nele alguém corajoso que só quer proteger e fazer feliz a quem ama… Assim como você.

I (don't) Need a Hero!Where stories live. Discover now