troye sivan

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Eu nunca tive muitos sonhos.

O máximo de preocupação que eu já tive foi em acabar meus estudos com notas razoáveis. Na escola, eu era parte do clube de animes e passava as tardes de quarta-feira só naquilo. Minhas noites de sexta eram dedicadas à ler mangás aleatórios e ver series que normalmente não tinham nada a ver umas com as outras.

Acho que por isso, quando o colegial acabou e eu comecei a ficar com tempo livre demais, minha mãe acabou ficando irritada.

"Você não quer nada da vida não, Changbin?" – ela perguntou.

E acho que o fato de eu ter respondido "não" foi o que mais a deixou estressada.

E, como na minha vizinhança todo mundo se conhece, ela pediu para o dono da franquia da Seven Eleven perto de casa me aceitar como atendente – vale lembrar que eu não tive voz nessa decisão.

Mas, mesmo que agora meus horários livres tenham sido reduzidos em enorme quantidade, trabalhar na Seven não é tão ruim assim. Depois de um tempo, comecei a perceber padrões nos clientes, o que são, o que comem, que horas aparecem, quem geralmente come na loja, quem come fora.

   Porém, na minha frente, neste exato milésimo de segundo, algo um tanto quanto curioso – anormal para alguém que trabalha em um Seven Eleven e já viu de tudo na vida – está acontecendo.

   O garoto que está na minha frente, comprando o sanduíche de queijo, o pacote de pocky de cookies'n cream, e um suco de limão de caixinha aparece na loja três vezes por semana – toda segunda, quarta e sexta – em torno das cinco da tarde. Ele tem um rosto sério, e varias sardas, cabelos castanhos escuros e a pele levemente bronzeada.

   A presença dele não é incomum, o que me assusta mesmo é que, nessa sexta-feita chuvosa, ele está com uma maquiagem artística super pesada em tons de amarelo, dourado, branco, com desenhos feitos com delineador perto de seus olhos. Seu guarda-chuva amarelo molha o piso da loja e minhas sobrancelhas estão arqueadas, e chuto que ele percebeu que estou tentando compreender o que houve em seu rosto.

   Chacoalho a cabeça, porém. Passo seu suco e seu doce pela máquina, passo o sanduíche e o, quando ia entrega-lo frio do jeito que ele normalmente pede, ele diz:

   — Não vai perguntar?

   Meu corpo gela e eu o encaro, nervoso.

   — Perguntar o que?

   — Se eu quero que esquente o sanduíche — comentou, e logo o ar saiu de meus pulmões.

   — Você normalmente come frio — ele deu de ombros. — Mas quer que esquente?

   — Hoje eu quero — pediu. Sinto que fiz uma cara estranha quando concordei com a cabeça, mas levei o sanduíche até o microondas e falei o preço total. Ele me deu as moedas certinhas, como sempre fazia, e eu entreguei o recibo.

   O microondas apitou e, de acordo com meus cálculos, ele deveria ir voltar para aonde quer que ele fosse agora. Ao invés disso, porém, ele agradeceu e foi até uma mesa a loja, jogou a caixa de doce dentro de sua mochila e de lá tirou um canudo metálico para sua caixinha de suco.

   A loja estava vazia, a radio do local tocava Gasoline, do Troye Sivan. A chuva caía ainda mais forte do lado de fora e nem mesmo os carros passavam mais. Me pergunto como foi que ele chegou aqui nessa chuva e com essa maquiagem impecável, mas não cabe à mim.

   Minha caixa de cigarros de cereja pesou em meu bolso da frente, mas eu era o único atendente hoje e fumar dentro da loja era proibido. Além de tudo, eu estaria preso aqui dentro até às dez horas da noite hoje já que o outro caixa não veio, e ainda eram cinco – cinco e trinta se eu fosse sortudo.

   Observei o garoto novamente. Ele comia, com o olhar perdido nas luzes borradas da cidade e sem fones de ouvido, murmurando a letra da música.

   A curiosidade tomou conta de mim novamente, mas eu não discutiria.

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