A bruxa

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A bruxa perambulava costeando um rio enquanto observava as montanhas que separavam a Costa Vazia do Planalto Solar. Naquele lugar, os fazendeiros ainda não haviam arrancado toda a floresta para transformar em plantação. A natureza era bela e virgem. O vento era fresco e o canto dos pássaros era capaz de encantar o corpo de qualquer um. A planície seguia, sem nenhum desvio, até encontrar uma grande montanha, que parecia ter sido posta ali pelos deuses.

Ela amava observar a natureza. Amava sentir a natureza tocando o seu corpo seminu.

Pois assim, como a natureza havia feito as montanhas, os rios, as estrelas... ela também havia feito a alma.

Também diziam que nevava por ali. A bruxa sempre quis ver a neve, agora era outono e logo viria o inverno. Talvez tivesse sorte, mas naquele dia o sol raiava e fazia sua pele branca arder.

Sua pele também já não era tão branca. Marcas negras se espalharam por ela, prova de alguém que trespassou a linha do que é certo e errado, e insistia, dia após dia, continuar nesse caminho perigoso.

Entretanto, sua missão ali não era para se divertir e nem para aproveitar a natureza. Hoje ela estava ali com uma missão. Uma missão um tanto peculiar. Depois de quase três anos sem ver seu amigo clarividente, agora chamado de O Enlouquecido, que lhe enviou um mensagem misteriosa falando desse lugar...

"Uma curva de rio ao pé de uma montanha solitária, a última depois da travessia."

***

O soldado que vestia branco, agora com a armadura quebrada e suas roupas rasgadas, seguia rastejando pela grama molhada.

A sua vida estava por um fio.

As memórias vinham e iam como se não lhe pertencessem mais. Tentava encontrar algo que tivesse feito de errado. Algo para se arrepender.

Entretanto, nada de ruim vinha à sua mente.

Ele havia errado. Tinha feito coisas ruins.

Seria esse o preço por tudo?

Mas também, lembrava de sua mulher e sua filha, seu coração esquentava, mesmo batendo fraco e quase parando. Lembrou que nos últimos instantes, fez o que era certo. Lutou por quem precisava.

Quando estava quase perdendo a consciência, uma mão lhe agarrou. Não foi forte para lhe segurar o corpo, mas segurou a sua vida.

— Quem é você? — disse a voz límpida e serena.

Quando voltou a abrir os olhos, viu a bela imagem de uma mulher vestindo poucas roupas, sua pele era branca e angelical, com olhos lilases que pareciam olhar para dentro de seu coração. Lábios grossos e negros, parecia, ao mesmo tempo, bela e assustadora.

Ficou confuso. Havia visto muito em suas últimas lembranças. Um ser feito de luz. Outro feito de trevas. E agora...

— Quem é você? — repetiu a mulher, com sua voz ainda mais serena, parecendo querer lhe acalmar.

— Eu, eu...

— Quem te mandou aqui?

— Rasga...

E então, sentiu as trevas lhe tomar conta. Faltava algo em si. Se sentia vazio.

Estava incompleto.

***

Ele está vazio — pensou a bruxa, olhando para sua alma. — Isso parece comum aqui. E quem é... Rasga?

Analisou ainda mais a situação do soldado. Ele parecia ter passado por uma batalha dura. Estava de corpo e alma destruído. Ao seu lado, pendurado em sua cintura, havia uma espada incomum. Sua lâmina parecia feita de algum metal raro, brilhante. Certamente brilharia ainda mais quando fosse devidamente empunhada.

Teve certeza de que tinha encontrado quem estava procurando. Levantou sua saia, em uma bola amarrada em sua coxa, tirou um pote cheio de creme e passou em seu próprio corpo. Depois respirou fundo e deixou a natureza entrar ainda mais dentro de seu corpo.

Deitou o soldado de barriga para cima e apoiou a bela arma sobre o peito dele, o fazendo segurar o cabo.

Enquanto tocava a arma, ele parecia responder aos seus toques de uma maneira agressiva. Por fim, levantou as duas mãos, apoiou-se sobre o homem e quebrou qualquer laço negativo que houvesse ali. Foi como abrir uma barragem em um rio. Sentiu uma enorme energia sob suas mãos escorrer de um lado para o outro.

Como se tivesse ressuscitado, o corpo se estremeceu. Os músculos se contorceram a bruxa acreditou ter ouvido o coração do homem voltar a bater.

Depois de alguns instantes se debatendo e se remexendo, o soldado se levantou e encarou a bruxa. Agora ele parecia saudável. Nem parecia aquele ser que chegou ali rastejando.

— O que você fez comigo, bruxa?

Os olhos dela faiscaram em tom lilás e certamente não olhavam para os olhos do homem. Aquilo era uma das coisas mais curiosas que tinha visto nos últimos tempos.

— É isso que iremos descobrir.

A saga dos filhos de Ethlon II - AntítesesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora