Capítulo 15 - Diálogos suspeitos

Começar do início
                                    

Afinal, o que esperavam? Saint-Michel era isto, um grande depósito de garotos indesejados, um grande depósito de órfãos.

Marlon respirou fundo sentindo a manhã invadir os pulmões. Os corvos voavam de um lado para o outro, a perder-se entre as nuvens. Despindo-se das roupas de dormir, trajou o uniforme, vagarosamente, tentando decidir o que faria a seguir.

O saco de linho onde estavam guardados os objetos roubados por Dan Mason permanecia oculto entre seus pertences. O garoto de orelhas pontudas teria que se explicar, teria que contar o que pretendia com aquilo tudo, e por que fazia tanto segredo. Seu desejo era ir lá embaixo, confrontá-lo, mas em um dia tão movimentado a visita estava fora de cogitação.

Então apenas respirou sofregamente, fechou a janela e recompondo-se caminhou em direção à porta. Ele desceria, ficaria atento às conversas, e quem sabe não conseguiria obter alguma nova informação relevante para o rapaz.

***

O vai e vem de transeuntes pelo corredor era notável. Marlon por várias vezes precisou se desviar a fim de que casais com o queixo empinado passassem sem interromper seu trajeto. Notou ainda, que diferente do que imaginara, o reencontro com os parentes não parecia nada festivo.

Pais e responsáveis agiam como se a manhã estivesse demorando a passar. Deixavam transparecer que a presença ali não passava de mera obrigação, uma formalidade anual. Por várias vezes percebera alguém conferindo as horas, talvez preocupado com que a neve chegasse e ficasse preso nas estradas, ou talvez com algum voo marcado para passar o fim de ano em algum país distante.

O fato é que ninguém parecia feliz, principalmente os que eram repreendidos por alguma conduta errada informada anteriormente pela direção. Por um instante Marlon chegou a questionar o que seria pior: estar trancado com tantos velhotes resmungões, ou conviver com familiares tão insensíveis quanto aqueles.

Ele fez a curva que conduzia à escadaria, bastante desatento, tinha os pensamentos distantes, na imagem de Dan Mason. Por pouco não se esbarrou com uma senhora alta e ossuda, de cabelos escuros e olhar altivo que vinha no sentido oposto. Ela parou encarando-o de cima, até que envergonhado, o garoto abriu passagem para que prosseguisse em seu trajeto.

A mulher que se vestia completamente de negro, como uma viúva amargurada, nada resmungou, apenas voltou a olhar para frente, e permaneceu em seu caminho rumo a algum quarto por ali. Logo atrás vinha um dos rapazes que estudava com ele, um dos colegas que se sentava próximo à janela na sala de aula. Ele lançou um olhar bastante constrangido para Gayler e então continuou a segui-la.

Marlon preferiu imaginar que aquela gárgula pescoçuda era alguma tia do garoto, mas em hipótese alguma sua mãe. Afinal, onde alguém tão fria poderia ser uma mãe?

Não houve muito tempo para refletir, ao tornar para frente deu de cara com Alex Cotton deixando o quarto de Jeremy. Ele não vira Marlon parado no corredor, estava conversando com o padre-diretor que saía a seu encalço, o que deu o tempo exato para Marlon se ocultar atrás de uma estatueta, observando-os passar.

— São apenas delírios professor — Gayler ouviu o padre resmungar quando Cotton fechou a porta, postando-se ao seu lado.

— Delírios bastante suspeitos — Cotton murmurou olhando para os dois lados — Eu tenho dito diretor, os irmãos estão tramando algo, e Dan parece bastante confiante.

— Eu já disse que são apenas coincidências Cotton — O padre protestou irritadiço — Tudo o que Jeremy tem sussurrado não passa de delírios desconexos. Você mesmo viu, não havia nada atrás da cômoda.

— Alguém retirou — Cotton franziu o cenho — O senhor viu o papel de parede descolado. Havia algo naquele buraco.

Ratos — o homem praguejou — Eles estão por todos os lados. Eram apenas ratos.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora