Capítulo 11 - Descendo

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Desde que chegara ao monastério, era a segunda vez que Gayler tivera um sonho tão real como aquele. Agora, porém, não acordara assustado, a sensação era de angústia, um pressentimento como se algo ruim estivesse para acontecer.

O coração pulsava rápido, ele respirava com dificuldade e virando-se no colchão tentou voltar a dormir, mas, como conseguiria?

Não podia parar de pensar, não podia deixar de se preocupar. Dan Mason estava lá embaixo, sozinho e faminto. Provavelmente também sentia dor. Certamente Alex Cotton não perdera a oportunidade de revidar a afronta.

Incomodado levantou-se jogando o cobertor para o lado, sentiu a friagem acariciar as pernas antes que a camisola tocasse os pés.

Os ponteiros do relógio sobre a cômoda agora marcavam três da madrugada, levaria ao menos mais três horas até o sino badalar e o dia recomeçar. E quanto ao sono? O sono simplesmente o abandonara.

Ele caminhou de um lado para o outro no quarto, pensando na vida que fora obrigado a deixar para trás, pensando na quase fuga que se frustrara, pensando outra vez Nele.

Por três vezes Dan o ajudou sem que fosse solicitado. O fizera apenas porque achou ser o correto, embora não houvesse admitido. Primeiro: Na sala de aula, quando um dos colegas procurou confusão, num momento em que não tinha a menor possibilidade de se defender. Segundo: Após o desmaio na horta, quando sem forças ficou à mercê dos que o rodeavam. Terceiro: Na noite em que tentara fugir, e por pouco não fora pego pelos mesmos freis que agora haviam trancafiado o garoto naquele lugar insalubre.

Estava ficando louco, estava ficando angustiado, precisava fazer algo por ele, havia uma dívida a ser paga e aquele era o momento apropriado. Tinha medo, mas não podia pensar muito, a única decisão era ir lá, do contrário, os pensamentos nunca o deixariam em paz.

Então, decidido a não continuar passivo, Marlon vestiu o uniforme e saiu para o corredor cautelosamente. Minutos após estaria caminhando pela escuridão, atravessando frente aos quadros silenciosos, frente às estátuas, que conduziam à escadaria do Arcanjo.

***

As pernas tremiam quando parou frente a ela. Chegar ao vitral fê-lo recordar-se do sonho que tivera há pouco, mas precisava afastar aquilo da cabeça ou as paranoias apenas o atrasariam. Não haveria ninguém lá embaixo, aquilo era tudo cansaço mental.

Ainda no escuro, próximo ao corrimão, observou o movimento tranquilo e frio. A noite estava congelante, ninguém perderia o tempo fora da cama sendo que logo o sino badalaria.

Respirou fundo tentando controlar o temor, e desafiando a própria hesitação, começou a descer vagarosamente.

Era impossível fazer aquele percurso e não recordar-se dos sussurros confidentes que ouvira nos sonhos. Também era impossível passar por ali sem se lembrar dos praguejamentos do velho ancião. O receio era tão grande que ao pisar o salão comum, sentiu um nó no estômago.

Na cabeça procurava recordar-se da noite no armário, pois de alguma forma, pensar na segurança que aquela memória transmitia o fazia sentir-se confiante.

Controlando a respiração, aos poucos foi passando pelas mesas, e então pelo elevado dos freis, percebendo como o ambiente ficava diferente na ausência dos velhos ranhetas.

Atravessou a portinhola, e agora, na cozinha, dirigiu-se até a dispensa, e como estivera a limpar o local há pouco tempo, sabia muito bem onde encontrar algo que desse para aliviar a fome. Surrupiar os alimentos sem permissão poderia custar a integridade da mão, mas isso não importava, o que estavam fazendo a Dan Mason era desumano.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora