Capítulo 2 - O Garoto Problema

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Mal fechou a boca, ouviu-se o som de um sino retumbar lá fora e o eco metálico fizera os corvos levantarem voo numa nuvem escura que ocultou o céu. O padre-diretor então caminhou até a janela, observando o dia que amanhecia, e voltando ao velhote corcunda, fez um gesto com a cabeça e se retirou.

Marlon ficou sozinho, respirou fundo sentindo-se perdido, então, após trocar de roupas e muito pensar, também deixou o cubículo.

Em Saint-Michel todos os internos se vestiam igualmente, e àquela hora, vários deles seguiam o mesmo caminho. A sonolência era visível, estavam com os olhos inchados e o eco do bocejar era inevitável.

Marlon reparou que para cada portinha que se abria, um crucifixo de madeira pendia na superfície, e foi observando-os com atenção que continuou a caminhar, acompanhando o grupo até a escadaria.

Não demorou e estava no hall. Do alto do primeiro andar, por onde observava o movimento, o grande vitral do Arcanjo São Miguel velava pela ordem, e logo abaixo, descendo as escadarias, a porta de entrada ficava próxima ao acesso ao salão comum.

Marlon desceu e entrou junto aos demais, e parando um momento ao centro do corredor, pôde reparar no elevado de madeira afastado, onde os freis se reuniam a fazer suas refeições.

Ficou observando que cada interno parecia saber exatamente o seu lugar, e refletiu que o padre-diretor nada lhe dissera sobre aquilo, mas apenas dera uma pequena folha contendo informações sobre a turma e o tutor, um tal frei Alex Cotton, responsável pelos garotos do segundo ano.

Sentia-se deslocado. Todos se sentavam e somente ele permanecia de pé. Precisava se apressar, ou seria o único a ficar assim.

Ele passou os olhos observando as mesas em todas as direções. Os garotos mais novos reuniam-se em uma lateral, os maiores em outra. Sentavam-se lado a lado, em bancos largos e sem recosto.

Sobre as mesas estavam caldeirões de metal, do qual os colegas se serviam em pratos de mesmo material. Eles comiam em colheradas a papa branca que se assemelhava a mingau. Seja lá o que fosse, era o que tinham para saciar a fome naquela manhã.

Então seus olhos deslizaram por entre as mesas à direita, e por um momento prenderam-se a uma silhueta específica sentada entre os demais.

Era um rapaz alto e estava a encará-lo enquanto comia. Tinha os cabelos escuros, orelhas pontudas, e feição séria. Os ombros largos chamavam a atenção, aparentava ser nadador, embora aquele tipo de esporte certamente não fosse praticado no lugar conservador.

Marlon permaneceu a observá-lo um instante, franzindo o cenho quando viu que não desviaria o olhar. Sentiu uma mãozinha quente apoiar-se em seu ombro, e no susto, virou-se de supetão, dando de cara com um frei baixinho que parara ao lado. O estômago apertou.

— Ops, assustei você irmãozinho?! — o homem exclamou afastando-se de imediato. Era gordinho e tinha as faces largas com grandes bochechas rosadas.

Perdão, eu... — Marlon não sabia o que dizer para a figura. Estava com a boca seca e o coração acelerado. O frei o assustara.

Você?! — O frei prosseguiu com um sorriso, e então o interrompeu — Ora, tudo bem. Às vezes também acordo assim, sentindo como se as palavras estivessem presas na garganta. — esboçou feição compreensiva, e voltou a apoiar a mão em seu ombro — Mas veja irmãozinho, se quer um conselho, é bom se apressar. Em alguns minutos o café se encerra, e desta vez o mingau parece delicioso.

Comprimindo os olhos miúdos, deu sinal de que seguiria seu caminho, mas interpelando-o, Marlon gaguejou fazendo-o ficar um pouco mais.

— Ei, não, espere um minuto, por favor. — O homem atentou-se a ele, voltando alguns passos — Perdoe-me pelo mau jeito senhor, mas, é que este é meu primeiro dia, então, não sei onde me sentar.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora