Eu poderia não ter acreditado, poderia ter rido e feito pouco caso, poderia ter gritado e surtado, mas eu preferia pular o estágio da negação. Ergui meu braço esquerdo e encarei o local onde antes havia minha mão, toquei a parte escura da extremidade e o que senti foi surreal e natural ao mesmo tempo, como tudo naquele lugar, eu não senti nada.
— Faz sentido – no fundo eu sabia que estar morta era a única resposta plausível. Apoiei os braços no balcão e olhei para Satayash, desamparada. – E agora?
Ele parecia estar se divertindo muito. Havia brincos na parte superior da orelha dele que cintilavam toda vez que um feixe de luz colorida passava.
— Agora você faz o que os despertados fazem – ele disse com simplicidade -, escolhem qual saída da cidade querem tomar.
— Despertados? – indaguei, a cada palavra eu ficava mais confusa. – Do que você está falando?
— São aqueles que tomam consciência sobre si mesmos e sobre a realidade que os cerca.
Franzi a testa tentando lembrar de algo, parecia uma tarefa difícil.
— Você disse que eu era uma adepta da segunda saída, o que isso quer dizer? Tem algo a ver com as pessoas desaparecendo?
— Isso mesmo. Todos aqui estão mortos, linda, e inevitavelmente sairão por uma das duas saídas, mas somente aqueles que despertam podem escolher a segunda. – Me assustei quando ele gritou: - JÁ ESTOU INDO, POR FAVOR! – havia uma mulher que queria bebida do outro lado do bar, ela não parecia muito disposta a esperar, mas ele voltou-se para mim: – Você pode se sentir especial, Elie, porque somente cinco por cento das pessoas que vêm para cá despertam, e devo acrescentar que nem metade disso escolhe a segunda saída.
Ele pediu licença e foi servir a mulher do outro lado. Sentei novamente em um dos bancos.
Agora a música havia mudado, embora eu não lembrasse de uma pausa entre a outra, nem mesmo o mais breve intervalo. Eu comecei a sentir novamente o chamado, o desejo sorrateiro de levantar e dançar até desaparecer.
Ouvi o estalido de um copo na minha frente.
— Gostaria de um pouco de bebida também? – perguntou Satayash com uma garrafa em uma das mãos.
Olhei para o copo vazio na minha frente, eu queria dizer não.
— Pode servir.
A bebida desceu em espiral para o copo, o liquido tinha cor de caramelo.
— Me conte mais sobre esta cidade. O que são essas saídas?
— Bom, esta cidade é o desejo de todos vocês, ela se adapta de acordo com os cidadãos que recebe e é um reflexo do mundo de onde vocês vieram. — Ele tapou a garrafa e depositou novamente na estante, eu parecia conhecer aquele tipo de bebida, era idêntica àquela na tigela com gelo, uma lembrança apagada da minha antiga vida. — É para cá que todas as almas vêm quando desencarnam, porém, é bom não criar raízes, já que todos vocês sairão desta cidade mais cedo ou mais tarde, por uma das duas saídas. – As mãos inferiores dele trabalhavam para limpar outro copo. – A mais simples, e a que a maioria toma, é o desaparecimento. Existem outros nomes para a primeira saída, como inexistência ou esquecimento, mas são todas a mesma coisa, e você já deve ter visto alguém passar por ela.
Lembrei das pessoas desaparecendo enquanto eu dançava.
— Mas... se o desaparecimento é a primeira saída, e eu sou uma adepta da segunda, como você diz, então porque minha mão esquerda desapareceu?
Ergui o copo e bebi um pouco, o gosto forte e familiar, talvez me ajudasse a lidar com aquilo tudo.
— Geralmente não acontece tão rápido assim, mas você deve ter ingerido um pouco de bebida enquanto estava dançando, tudo o que for comestível nesta cidade acelera o processo de desaparecimento e te leva para mais perto da inexistência.
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A Cidade do Silêncio
ParanormalElie está morta, só ainda não sabe disso. Sem memória sobre quem foi ou como chegou naquela boate estranha, ela mal repara que as pessoas ao seu redor estão desaparecendo enquanto dançam. Mas algo de sua antiga vida a chama. Um chamado que, para el...