22 | Terraço

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"Você é louco como eu?

Esteve sofrendo como eu?

[...]

Você é perturbado como eu?

Você é estranho como eu?

Acendendo fósforos apenas para engolir a chama como eu?"

- Gasoline, Halsey.

Exalei o ar com força ao passar pela porta de entrada, me dirigindo até a cozinha e, após abrir a geladeira e tirar da mesma uma garrafa de água, apoiando o quadril na pia e chamando por Cora.

- Oi? - Ela não demorou em surgir na cozinha, usando seu óculos de grau e com um lápis em uma das mãos.

- Vou estar lá no telhado - avisei, enchendo a boca de água.

Cora deu de ombros, me dando às costas e entrando em seu quarto outra vez.

Há alguns dias atrás, descobri que o nosso prédio possui um terraço sensacional. Não, ele é comum. A ideia de sossego é que é sensacional. Pensando nisso, passei a subir até lá, levando comigo uma cadeira de praia e um livro, praticamente todos os dias.

Entretanto, hoje eu planejo levar comigo para o terraço uma outra coisa. Na verdade, planejo isso desde que eu descobri que o nosso prédio possui esse tal terraço.

Dou de ombros, finalmente me rendendo. Dou passos apressados até o quarto e me agacho na lateral da cama, puxando uma caixa de sapato de baixo da mesma. Me levanto e, no mesmo ritmo apressado, saio do apartamento e começo a subir as escadas para o terraço.

As semanas de provas haviam, finalmente, acabado e meu corpo já havia se acostumado com os turnos na lanchonete. Passei a ver Hunter apenas pelos corredores da universade e, às vezes - quase sempre -, no pátio do campus com a mesma garota que vivia em seu encalço. Descobri, essa semana, que o seu nome é Samantha.

Não estou nem aí, é claro.

Em contrapartida, troquei mensagens de texto com Zach em todos esses dias que se passaram.

Empurrei a porta que dava para o telhado com o ombro, retirando a garrafa de vodka de dentro do seu antigo esconderijo e jogando a caixa de papelão na lixeira ao lado da porta. Procurei minha cadeira de praia com os olhos, visto que eu a havia deixado ali no dia anterior para não precisar trazê-la novamente hoje.

Pendi a cabeça para o lado, confusa. Alguém, supostamente, havia encontrado minha cadeira antes de mim. Me aproximei com cautela, tentando reconhecer o sujeito mesmo ele estando de costas para mim.

Hunter.

Soltei uma lufada de ar, alta e dramática o suficiente para que minha presença fosse notada. O moreno virou a cabeça para trás e sorriu ao me ver, no entanto, seu sorriso fora substituído por uma linha fina quando seus olhos avistaram a garrafa de vodka em minhas mãos.

Engoli em seco, andando até o parapeito do telhado e, após apoiar meu corpo no mesmo, fechando os olhos. Escutei seus passos pesados quando ele se ergueu da cadeira e andou até mim, também se encostando no parapeito. Abri os olhos a tempo de vê-lo tirar um maço de cigarros do bolso e um isqueiro.

- Se importa? - Neguei com a cabeça. Mas sim, eu me importava, sim. - Ótimo.

Ele devolveu o isqueiro e o maço após pegar um dos cigarros e acendê-lo.

- Sabe - ele continuou, seus olhos focados no horizonte. - Todo excesso esconde uma falta - ele voltou seus olhos para os meus e, logo após isso, os alternou entre a bebida alcoólica em minhas mãos e meu rosto. - O que você tenta suprir com a bebida, Alyssa?

Sua pergunta me pegou de surpresa, me fazendo entreabrir os lábios para puxar o ar com força. Não pude deixar de me sentir ofendida, por mais que ele tivesse total razão.

O amor que meus pais nunca me deram, pensei.

Ao invés disso, respondi:

- O que você - indiquei o cigarro entre seus lábios com a cabeça -, tenta suprir com todos esses cigarros?

Ele riu, maneando a cabeça e
voltando a olhar para o além.

- É justo.

Ele terminou o cigarro e se apressou para pegar um novo. Sem pensar, levei minha mão até a sua, que tirava o maço do bolso da calça jeans, o detendo com meu toque.

- Eu concordo em te responder três perguntas, se - ele arqueou as sobrancelhas, reconhecendo suas próprias palavras -, você parar de fumar. Pelo menos hoje.

Ele desistiu de pegar os cigarros em seu bolso e se virou em minha direção, apoiando a lateral do corpo no parapeito e, assim, ficando de frente para mim. Fiz o mesmo.

- A tatuagem que você têm bem aqui - ele ergueu a mão até o lado do meu corpo, traçando o caminho que a tatuagem seguia por de baixo das roupas com as pontas dos dedos -, o que está escrito?

Seus olhos não se desviaram dos meus nem por um segundo e sua mão continuou alisando o local da tatuagem.

Arranhei a garganta antes de forçar minha voz a sair:

- Tudo acontece por uma razão.

Ele concordou com a cabeça antes de cessar os movimentos na lateral do meu corpo e passar a deslizar sua mão pelo meu braço, parando ao chegar no meu pulso. Seu dedo traçou toda a extensão da minha cicatriz antes dele fazer sua segunda pergunta:

- E isso? Qual a história que essa cicatriz conta?

Desviei os olhos por um instante, insegura. Entretanto, a tamanha facilidade que sempre tive em me abrir com ele me envolveu e, dessa forma, não vi problemas em lhe responder.

Na primeira vez em que ele insistiu para saber algo sobre meu passado, eu o achei invasivo. Agora, agradeço por ele demonstrar interesse. Pelo menos tenho com quem conversar sobre todas as minhas merdas.

- Minha mãe se suicidou quando eu tinha dezesseis anos - contei. - Mas ela nunca foi, de fato, minha mãe, entende? - Ele concordou com a cabeça. - Eu não sei, Hunter, tudo se misturou e minha cabeça ficou uma bagunça. A negligência dela, seu egoísmo. Céus, tudo. - tremi. - Eu estava drogada demais e mal me lembro de como e com o que eu fiz isso, mas quando eu acordei em um hospital, sóbria e com os braços enfaixados, eu me odiei. Eu me odiei, Hunter, por, no fim, ter feito exatamente o mesmo que ela.

Quando terminei, me surpreendi por não sentir nenhum resquício de lágrimas em meus olhos. O moreno tinha as sobrancelhas escuras franzidas quando se aproximou ainda mais de mim.

- Você usava drogas? - Perguntou, seu tom de voz carregado de incredulidade.

Ri.

- Essa é a sua terceira, e última, pergunta?

Ele negou com a cabeça rapidamente, suavizando sua expressão.

- Não - ele se aproximou ainda mais, colocando suas mãos em ambos os lados do meu rosto e depositando um carinho suave em minhas bochechas. - Posso te beijar?

Ele sorriu ao repetir a pergunta que lhe fiz dias atrás e, antes mesmo que eu tivesse a oportunidade de responder, pressionou meus lábios com os seus.

Você tinha razão. Todo excesso esconde uma falta.

O excesso de drogas supria meu passado oco e o excesso do álcool supria a falta dessas mesmas drogas.

Eu te desejava em excesso, Hunter, e você me deixou ainda mais vazia.

Crossroad (EM REVISÃO) Onde as histórias ganham vida. Descobre agora