Capítulo 24

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Rafael

— O que eu sou, Rafael? – Metade do meu tamanho. O dobro do meu brio. O quanto ela ouviu do que eu falei? – Idiota? Privilegiada?

Falava e vinha para perto. O rosto trancado, nem fechado era. Você pode achar que eu perdi a raiva e baixei as orelhas. Pode achar que eu queria peitar de volta. Pode achar o que quiser, mas nunca vai adivinhar o bicho que ela solta quando me confronta. Manuela me tem porque chega assim. Não é porque é bonitinha e rebola bem, tem dúzias por aí no mesmo esquema. Manuela me tem porque bate de frente. E se ela quiser meu respeito, que venha pegar.

— Não, Manu, não é nada disso. – Gabriel se intrometeu e ainda não desistiu de apaziguar.

— Cale a boca, Gabriel. – Mandei. Que o negócio era entre eu e ela.

— Chega, Rafael – Gabriel ainda tinha raiva suficiente para não correr. Quase bom. – Para de querer começar briga por tudo.

— Deixa ele, Gabe, que o Rafa tá querendo briga faz tempo. – Com a cabeça virada para cima, o nariz erguido até o máximo que seu pescoço permitia, olhava para mim como se fosse do meu tamanho e como se pudesse contra mim. Sem medo. Sem desculpas. – Acha que eu tenho que provar alguma coisa para alguém com uma merda de um vestibular?

— Vestibular não é feito para egos, Manuela.

— Exato. Acha que eu tenho que esfregar alguma coisa na sua cara? Depois desses anos todos, você ainda não me conhece? São três anos que eu te como, Rafael, se eu quisesse provar alguma coisa para alguém, não ia ser para você.

São três anos que ela o quê?

— Calma, Manu, não perde a paciência.

— Cala a boca, Gabi – Manu quem respondeu. – Que você passar pano já deu no meu saco.

Isso, Manu. Quebra tudo.

— Eu não passei porque eu não quis. Porque era insuportável a ideia de passar na faculdade e não ter você lá. Rafael ia passar, eu nunca duvidei – Então essa quebradeira não era para mim: melhor ainda – Não passei porque você nunca entendeu a regra da mão direita. E a última questão era sobre isso e eu tinha certeza que você ia errar. Porque eu te conheço, porque eu me importo. E eu não quero estar lá na FAU com outros caras. Pode me chamar do que for, eu não me arrependo. Se você vai morrer achando que é burro, não põe a culpa em mim. Nem no Rafa, nem em ninguém. Tá todo mundo duvidando da nossa capacidade, o tempo todo. A gente que tem que correr atrás. Rafael porque não tem grana, você porque foi expulso de casa, eu porque sou mulher e por aí vai. Cada um carrega sua cruz. Se for olhar bem, a nossa cruz é bem leve, mesmo quando tá difícil. Não é olimpíada de quem se fode mais. Sou eu e o que eu posso fazer para sair da competição que nem mereço estar. USP é o sonho da minha mãe, virou o meu porque ela passou isso pra mim. E se eu estudei tanto a vida inteira não foi porque eu quis, mas para não ficar para trás. Você acha que é bonito ficar oito horas estudando, NAS FÉRIAS, com medo do vestibular? Cê acha que é bonito cronometrar o tempo de resposta porque tenho medo de ter um desempenho menor que qualquer um dos meus irmãos? Isso não é vida e ninguém sabe o quanto eu chorei, desesperada, por não entender uma matéria e por morrer de vergonha de perguntar para quem sabia no quarto do lado.

— Manu...

— Eu não passei porque eu não quis competir. E, se vocês não gostaram, eu não vou pedir desculpa. Eu não quis competir com você, Gabi, e não foi porque meus pais têm grana, Rafael. E nem sei porque isso te incomoda e o que isso tem a ver com você, porque quem pode pagar a minha faculdade são meus pais: imagina que lindo vai ser o dia em que eu falar para eles que tô dando a boceta para um e o cu para outro. Tem drone na minha casa, tem impressora 3D, tem médico e engenheiro, tem doutora em estrutura. E tem uma história de amor e um apelido de Nina que eu nunca vou fazer parte porque eu sou mulher, e isso é coisa dos homens Ferreira. Meu pai tá achando que eu desisti da USP porque eu te amo e ele jura que você é totalmente gay, Gabi. Ele tá com dó da filha dele que tá apaixonada num mato que não sai cachorro. Meu tempo de privilégio tá contado, se isso te importa tanto assim. Na hora que eu revelar que do mato sai cachorro, papagaio e periquito, pode ter certeza que a minha casa cai. E eu não vou dar as costas para vocês mesmo quando a minha casa estiver em chamas. Pode parar de sorrir, Rafael: ou eu arranco esse sorriso eu mesma.

Para Sempre TrêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora