1.º Capítulo

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Tudo começou há vinte anos. Eu estava iniciando na Polícia e fui designado para trabalhar na Delegacia de Homicídios de minha cidade, Porto Velho, uma das principais delegacias.

Ao mesmo tempo eu fazia faculdade de Direito e estava cheio de ideias e ideais. Como todo jovem. E tinha um corpo esguio e bem trabalhado na academia. De fora, ninguém percebia que eu era um policial, a não ser que eu dissesse, o que era raro. Afinal quanto mais incógnito, melhor para trabalhar.

No início do período minha turma fez um trabalho de Sociologia que envolvia pessoas abandonadas por parentes, seja em hospitais ou casas de apoio, até mesmo em locais menos agradáveis, como a rua e isso também envolvia crianças e teria que mostrar também o trabalho da sociedade para que essas pessoas e crianças fossem novamente incluídas em todos os segmentos.

Na época a turma foi dividida em grupos e cada um pegou um trabalho. O do meu grupo foi tratar de crianças abandonadas por conta de algum tipo de doença ou enfermidade. Incluindo aí os casos especiais. Isso me deixou muito feliz porque sempre gostei muito de crianças e tinha um carinho todo especial pelas crianças que apresentavam alguma deficiência.

Não existiam ainda casas especializadas em cuidar dessas crianças. Simplesmente eram abandonadas à própria sorte, algumas vezes eram deixadas na porta de alguma igreja ou abandonadas em algum orfanato. Em nenhum dos casos havia algum especialista para tratar das infelizes crianças. Só depois que começaram a pensar nisso.

E era um número absurdo de crianças que eram abandonadas. Não se tem noção de como se abandona crianças neste país. E o Estado ainda não tem nenhum trabalho direcionado a esse tipo de situação. Nem creches e nem orfanatos preparados.

De qualquer modo, começamos o nosso trabalho e para isso começamos a nos relacionar com os pequenos. Tínhamos que saber a idade, o tipo de problema e as esperanças de cada um.

Inicialmente escolhemos a Casa de Apoio Santa Rosa, onde estavam crianças de idades variadas. Eram crianças especiais.

Crianças com surdez, com problemas na fala, e até com problemas mentais de diferentes níveis. A falta de amor e conhecimento desses pais fez com que essas crianças fossem abandonadas à própria sorte. Era um absurdo, mas acontecia. E mesmo que causasse alguma sensibilização, não era suficiente para que os políticos criassem mecanismos para que o dano fosse o mínimo possível.

Um casal de irmãos logo nos chamou a atenção e a partir daquele dia o nosso trabalho seria com eles. Decisão unânime.

João tinha cinco anos e não ouvia e nem falava. Era um menininho simpático, moreninho, mas tinha os olhos verdes e bem vivos. O menino era bem esperto e muito curioso.

João tinha uma irmã mais velha, Dália, que tinha oito anos, também moreninha e muito esperta. Ela não tinha problemas, mas para não separarem ela do garoto, Dália permaneceu na casa de apoio. Ela era tudo o que o menino tinha e então não se largavam em momento algum.

Como ele não ouvia, Dália aprendeu a se comunicar com a linguagem dos sinais e foi ensinando aos poucos a João. Era muito interessante ver ambas as crianças aprendendo.

- Tio Caíque, me conta como é trabalhar na Polícia. Dália me perguntava. E eu respondia. Era muito gratificante ver aqueles olhos brilharem.

- Quando crescer eu vou trabalhar na Polícia também. Ela sempre dizia, rindo gostosamente. – E vou usar arma também para prender os bandidos que têm por aí.

Mesmo que eu dissesse que era perigoso ela não se intimidava. Tinha a ideia fixa que iria ser policial.

Aí então ela fazia sinais para João que também gostava de ouvir histórias que eu contava das prisões ou das confusões que costumávamos ver na delegacia.

Os pais de Dália e João os abandonaram quando ela tinha cinco e ele tinha dois anos. Eram viciados em drogas e justamente por esse motivo que João nasceu com essa deficiência. Dália tinha nascido perfeita, mas mesmo assim, quando os pais sumiram (ou foram presos ou mortos – ninguém sabe até hoje) as crianças foram encontradas na portaria da casa de apoio, provavelmente deixados por algum vizinho ou parente, não havia como saber, pois as duas crianças estavam dormindo quando foram deixadas ali. Ninguém conhecia algum parente para que fossem avisados. E desde então estão morando na casa de apoio. Ao menos estão crescendo juntos.

Foi também nessa época que conheci minha esposa. Ela trabalhava justamente na Casa de Apoio Santa Rosa como psicóloga. Havia se formado um ano antes e sua tese havia sido justamente o trabalho em cima das crianças abandonadas, como fazer com que elas crescessem sem trauma.

Juliana tinha 25 anos, cabelos claros, não era magra e nem forte, e um pouco mais baixa do que eu, que tenho 1,70 m de altura, o cabelo era curtinho, e nela ficava uma maravilha. Tinha sardas no rosto e covinhas nas bochechas e um sorriso que derretia qualquer um.

Era magnífico o quanto ela gostava das crianças e isso nos aproximou, pois eu também sempre gostei delas. E foi ela quem indicou para o nosso grupo da faculdade as crianças Dália e João.

- Vocês vão adorar essas crianças. Elas são dois anjinhos que vieram do céu para ficar com a gente, e ensinar o que é o verdadeiro amor. Vão realmente se encantar. O João não fala, mas mesmo assim não consegue ficar quieto e é muito comunicativo, da maneira dele. E Dália é sua sombra. Onde um está, está o outro.

E assim trabalhamos naquele semestre com as duas crianças. Aprendemos mais com elas do que elas com a gente. Fim de semestre, apresentamos nosso trabalho e as nossas preocupações, acompanhadas de estudos e ideias que poderiam ser utilizadas a posteriori no sentido de ajudar essas e outras crianças. 

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O Assassinato da Senhora Eva.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora