20 - Boca Santa

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A semana mais uma vez recomeçava, e Otávio voltou a sua rotina universitária. Mas, diferentemente de qualquer costume, o primeiro dia da semana já começou com uma grande surpresa para Otávio.

Uma surpresa representa algo quase sempre feliz, mas Otávio estava se sentindo mais assustado que qualquer coisa, e não sabia bem como definir aquela notícia com adjetivos. Tudo aconteceu logo ao fim da aula, quando seu professor e orientador o chamou para uma conversa.

Após a conversa, decidiu então ir para a casa mais cedo, na esperança de ficar sozinho e refletir sobre a notícia que recebera; assimilar fatos inesperados nem sempre é fácil, muito menos rápido.

Assim que chegou em casa, assustou-se por ver Mariana e Lídia ali na sala. Igualmente como elas se assustaram por já o ver chegar.

- O que aconteceu para você já estar aqui? Você está passando mal? - Perguntou Lídia, como sempre curiosa.

- Não, tá tudo bem, é que eu... - Otávio ainda não sabia bem como explicar, ainda não havia falado pra ninguém o que o estava deixando confuso.

- Você o que, Tavinho? Está meio assustado. - Agora era Mariana quem falava.

- Eu, na verdade, estou confuso.

- Com o que, exatamente?

- Ah, o meu orientador lá da faculdade... ele me chamou para conversar hoje. Ele tinha me falado que às vezes as coisas demoravam a acontecer, mas agora eu mal estava pensando nisso... Eu não sei o que falar para ele!

- Primeiro conte o que aconteceu, ainda não deu para entender, migo. - Lídia geralmente conseguia desvendar as coisas, mas dessa vez estava impossível.

- Sabe, Lídia, você é uma bendita de uma boca santa. Só pode! Ontem mesmo me lembrou dos planos esquecidos que eu já tive com a faculdade, e hoje um deles resolveu reaparecer. Parece até pegadinha. Meu orientador disse que agora surgiu uma oportunidade para um intercâmbio, não é exatamente o que eu queria na época, na verdade é até melhor e...

- E isso não é ótimo? Porque você não parece feliz. - Disse Mariana.

- Eu estou confuso porque não sei se quero ir, mas não dá nem coragem de desperdiçar algo positivo assim... Pode não se encaixar exatamente no momento que estou vivendo agora, eu estou gostando do projeto que estou tocando aqui mesmo, mas e o medo de me arrepender depois por não ter ido?

- Não tem como você simplesmente tentar e, se for o caso, desistir? - Indagou Lídia.

- Ah, óbvio que não vão me manter amarrado ali, mas é estranho ir e não estar empolgado. Muitos no meu lugar estariam eufóricos.

- Até quando você tem que dar uma resposta?

- O quanto antes, não sei exatamente.

- Então tenta refletir bem, pelo menos hoje você tem para isso.

Lídia observava calada enquanto Otávio e Mariana conversavam, até que decidiu falar.

- Bem, eu penso que assim... - Começou Lídia - se você está inseguro só pelo seu projeto aqui, ou por questão financeira, enfim, acho que você tem que tentar, estaremos aqui para te apoiar. Massssss...

- Mas? - Otávio estava ansioso por uma conclusão de Lídia, que prosseguiu.

- Mas, se você está assim, duvidoso, por pensar em uma pessoa que além de mim também tem uma "boca santa" - Lídia fez gesto de aspas com a mão e mudou a entonação da voz - que você sabe bem quem é, bem, aí a coisa muda.

- Nossa, eu não havia pensado em Luccino. - Disse Mariana. - É isso que está te deixando assim na dúvida?

- Não é apenas isso, mas digamos que é principalmente isso. Está tudo no começo agora entre a gente, não é nada estabilizado, de longa duração, tipo aqueles que a pessoa espera você voltar... se perdermos essa fase inicial, pode ter certeza que vai ser tudo perdido. São 11 meses de intercâmbio para o Uruguai.

- É, sua preocupação é válida. De qualquer forma, acho que uma conversa com ele é essencial. - Falou Mariana.

- Eu diria indispensável. - Completou Lídia.

- É, eu sei, gente. Farei isso o quanto antes.

- Hoje, ué; Vocês não têm aula?

- Ai, Lídia, você está me deixando afobado. Vai ter que ser hoje mesmo, como vou disfarçar essa cara?

- Desculpe, príncipe. Só quero ajudar. Qualquer coisa me ligue, que agora vou sair. - Lídia o abraçou e saiu pela porta.

Mariana e Otávio conversaram mais um pouco só os dois; não apenas sobre isso, mas outros assuntos aleatórios puxados por Mariana, na intenção de deixar o amigo menos tenso. Por fim, reforçou que concordava com Lídia que deveria ter uma conversa com Luccino, respeitando e pedindo a opinião dele, pois isso com certeza o ajudaria a tomar uma decisão.

- Ah, só mais uma coisa. - Mariana começou a refletir, no fim da conversa.

- Diga, Mari.

- Cuidado com o modo de falar. Você quando fica nervoso acaba falando de um jeito que depois se arrepende; não que seja sua culpa, só se atente. Não tente evitá-lo, pressioná-lo, entenda ele de verdade.

- Pode deixar, vou me esforçar para isso.

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Otávio tomou um banho e ficou aguardando Luccino chegar, pois, como sempre, ele chegava adiantado.

E realmente ele chegou, pouco tempo depois, trazendo sua mochila com materiais e em suas mãos a camiseta de Otávio que ficara com ele.

- Oi, professor. - Disse Luccino, sempre muito animado, abraçando Otávio.

- Oi, Luccino. - Otávio tentava disfarçar a tensão, mas não estava muito fácil.

- Trouxe sua camiseta, mas se quiser deixar ela comigo, eu não acharei ruim. Ajuda para a saudade não bater tão forte. E você tem tantas mesmo...

Aquela frase deixara Otávio muito mais angustiado do que estava, e ele respirou profundamente e deu um beijo na bochecha de Luccino, sem nada dizer.

- O que aconteceu, Otávio? Está estranho, tenso...

- Vamos lá para a nossa sala, eu queria conversar com você antes da aula, pode ser?

- Claro que pode, mas vamos logo porque você está me deixando preocupado.

Os dois seguiram até a sala, e diferente dos outros dias, Otávio havia deixado almofadas no chão para que se acomodassem ali, e não nas cadeiras convencionais. Ele se sentou primeiro, seguido de Luccino, e o ficou observando antes de falar qualquer coisa. 

Um Amor Puro (Lutávio)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora