0.1
... há cinco anos atrás.
O meu corpo estava propriamente esticado e tenso, com os cinco mil e oitocentos olhos atentos ao fouetté rond de jambe en tournant em pontas, que realizava exatamente quatro vezes antes de deixar o meu corpo sucumbir no palco de madeira escura, deitando harmoniosamente o meu tronco sobre a minha perna esquerda esticada, e arrastando a outra atrás de mim, fletindo-a em 90 graus.
Era o fim do 3º ato da nossa interpretação da 'Branca de Neve', e assim, no momento em que a música em adágio se deixou de ouvir e a escuridão tomou conta do lado interior da cortina vermelha, levantei-me da minha antiga posição. Do outro lado, conseguiam-se ouvir aplausos, vários até, que me faziam desviar a minha modéstia para outro lado.
Eu tinha estado bem. Eu tinha estado mesmo bem. O orgulho inexplicavelmente grande causava a aceleração do meu coração, obrigando o meu peito a mexer ritmadamente.
O ballet, apesar de não parecer, é extremamente cansativo e doloroso, só o facto de ficar em pontas, obrigando os meus pés a se formarem anatomicamente mal denuncia o esforço necessário para este tipo de dança.
Engoli em seco, preparando-me para sentir de novo a pressão da perfeição, quando abrissem o longo pedaço de veludo, que afastava a visão do palco.
Era a primeiríssima vez que eu era a personagem principal numa peça, mas eu estava confortável com isso. Pelo menos dentro dos possíveis.
Talvez a história fosse gasta e mais velha do que eu, mas sinceramente, num bailado nada é mau. A nossa história não era tão... misericordiosa.
A Branca de Neve morria.
Eu, tecnicamente, morria. Mas não deixava de ser imensamente entusiasmante esse pequeno promenor.
Enquanto desmontavam e montavam o cenário, mudando alguns adereços ou trocando-os por outros, fui deitar-me no suposto leito de sono eterno da persongem que eu representava. O meu cabelo foi desapertado, e todos os ganchos, um por um, arrancados, até os fios esticados do mesmo puderem ser espalhados pelos meus ombros. O meu vestido foi devidamente arranjado pela encenadora e de seguida fui tapada por um meio cilindro de vidro tal e qual como na história.
"Attitude, posture, position!" Uma das bailarinas mais velhas, agora coreografa avisou, com um gesto para todos os bailarinos e todos assumiram o seu lugar, incluindo eu, que fui transportada até ao palco.
Dentro de segundos, cinco dos seis grandes holofotes iluminaram-me, e até a minha visão, coberta pelas minhas palpebrás fechadas ganhou um tom branco. A minha respiração estava reduzida ao mínimo, com o meu coração a bater mais lentamente.
Obriguei o meu corpo a amolecer, deixando de usar os meus músculos, de forma mais prática e credível.
Um sono eterno digno de uma princesa.
Eu teria de passar todo este ato e mais alguns minutos do próximo assim. E era deveras desconfortável aguentar durante os todos aqueles minutos na mesma posição e ainda por cima, com a respiração tão lenta. Não era natural, e chegava até a causar dor, mas o que poderia eu fazer? Dor e sacrifício são sinónimos de ballet. E são essas pequenas partes que fazem a diferença, tornando-se assim completamente indespensáveis.
Quando a música se silenciou, eu tive a confirmação que o ato tinha acabado. Fui lentamente empurrada para outro canto do palco, mais próximo dos corredores laterais do mesmo. Tentei abrir a campânula de vidro, que apesar de não cortar a entrada do oxigénio, acabava por me fazer sentir como se estivesse presa, um sentimento um pouco estranho, mas fui impedida por alguém.
"Que é que estás a fazer? Deita-te." uma voz soou no escuro autoritária, e mesmo sem saber de onde ou de quem esta provinha, fiz o mandado, tornando a deitar o meu tronco no fino colchão de seda e regularizei a minha respiração.
O leito onde o meu corpo descansava começou a rolar, uma vez mais, mas desta vez não parecia estar a ser controlado. Fui atingida pelo pânico, abrindo os meus olhos nesse mesmo momento, antes da queda.
O adereço tinha caído abaixo do palco, sendo apenas amordecido pelo tecido bordeaux, mas comigo dentro do mesmo.
Só me lembro do som do vidro a partir e de um suspiro de admiração ou susto de uma plateia inteira.
O meu olhar atordoado foi dirigido para o meu corpo, ignorando todos os olhares urgentes do resto dos seres presentes. Eu não conseguia, de repente, ouvir nenhuma das palavras que eles pronunciavam.
E depois era tudo vermelho. As minhas pernas, os meus braços, o meu pescoço, o meu tronco. Os pedaços de vidro incrustados na minha pele clara, começavam a cair e a deixar no seu lugar pequenas fontes de sangue que acabava por escorrer em cursos próprios até tingir grande parte do meu vestido claro.
Lembro-me até de ver ofuscadamente várias pessoas á minha volta, com caras aterrorizadas, uns até a chorar, ou a soltar gritos secos, que eu não ouvia sequer, mas eu não percebia nada.
E depois desliguei.
Eu só tinha 13 anos, era uma miúda, mas já mencionei que quase todas as bailarinas são umas cabras invejosas?
✷
hey, so..
pequena demonstração do passado da violet. era necessário para perceberam o resto da história.
hope you enjoy, ly
mythologicx aka ana

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swan || z.m.
Fanfiction"Sentia-me a escamar. Todos os dias perdia mais um pouco de mim, cada camada a ameaçar ser a gota de água necessária para me derramar. Já não sei quem sou e duvido ser quem queria ser. Tudo o que quero é o que ele quer porque sinto que o tenho de re...