Capítulo 04: Asas Caídas

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Terra, 21 anos após o Pecado Original

Quando o sol entrou pelas frestas da madeira que formava a casa que ela e Midrael haviam construído para viverem pelos últimos seis meses, Eysh acordou de um sonho no qual reencontrava sua família. Abel e Caim também estavam presentes. Além de sonhar essa mesma coisa nos últimos três dias, sabia que aquilo era o que mais desejava. Queria voltar para casa, para seu pai, sua mãe e seus irmãos, e não carregar a consequência do único erro que cometeu na vida.

Eysh abriu os olhos, apreciando o calor que sentia em seu rosto, principalmente por estarem no começo da primavera. Virou-se para o outro lado, onde encontrou Midrael deitado, fitando-a. Ela já havia se acostumado com a ideia de dormir ao lado de um anjo – mesmo ele não se considerando mais um – que não precisava descansar.

Os sentimentos foram descobertos duas semanas depois de estarem sob a proteção de Nüwa. Ela estava se banhando em uma lagoa que ficava dentro do círculo de Nāga; seu corpo não demonstrava qualquer mudança por causa da gravidez, exceto pela ocasional dor nos seios. Midrael, ela sabia muito bem, a observava todos os dias em que fazia aquele ritual de limpeza. Sempre escondido, e ela fingia não perceber. Gostava da sensação de ser observada nua, apenas não tinha certeza o porquê.

Todavia, naquele dia, foi diferente. Ele deixou seu costumeiro esconderijo e foi na direção dela. Ele não vestia roupa alguma, o que a pegou totalmente de surpresa.

– Não se preocupe, menina. Eu não tenho qualquer impulso sexual. – Ele disse da margem, levantando os braços que, até então ela não tinha notado, eram musculosos.

– Não? – Ela conseguiu forçar um tom zombeteiro enquanto apontava para o pênis ereto de Midrael. Eysh nunca imaginou que anjos, caídos ou não, pudessem ficar vermelhos de vergonha.

Ele também se escondeu na lagoa, sem conseguir olhar diretamente para a menina. Depois de alguns minutos no silêncio constrangedor, Eysh ordenou que ele se virasse, pois ela sairia da lagoa. Midrael obedeceu sem reclamar, fingindo desinteresse. Porém, quando estava do lado de fora, a menina pensou outra vez. Virou-se.

– Pensando bem, pode olhar se quiser.

Para sua surpresa, ele se virou. Encarou-a por alguns segundos, antes de ele mesmo sair da lagoa. Ela analisou seu corpo com desejo, e a sensação foi totalmente diferente de quando viu Hillel, com quem ela sentia algo incontrolável, quase animalesco, enquanto naquele momento ela sentia-se controlada e, de fato, queria admirar a forma de Midrael.

Sentiu suas duas mãos grandes e um tanto calejadas – como as de Caim – agarrarem-na pelos ombros. De repente, ele jogou-a de volta na lagoa. Irada, ela saiu da água bufando e lutando para conseguir respirar. Procurou por ele, mas não o encontrou. Deixou as águas e viu as tiras de sangue no chão. Ele havia fugido voando, como ela tinha visto apenas quando a levou até ali.

Vestiu-se em poucos segundos e praticamente correu para a cabana de Nüwa, onde ela estava dormindo, enquanto ele próprio montava guarda a noite. Encontrou-o conversando com a deusa, completamente vestido, como se nada tivesse acontecido.

– Que merda acabou de acontecer? – Vociferou, quando estava perto o bastante.

– Isso não é da minha conta, então – Nüwa disse, deixando-os sozinhos.

– Do que está falando? – Ela precisou apenas revirar os olhos para que ele não enrolasse mais. – Eu entrei em pânico.

– E desde quando anjos entram em pânico? – Sua raiva desapareceu, pois melhor do que ela, era a diversão que Eysh teria se continuasse pressionando-o.

A Primeira de Seu NomeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora