Os problemas começaram aí, na verdade. Começa uma pressão de todos os lados para você perder seu BV. Quem está beijando quem, quem está namorando com quem e todas essas coisas. Todo mundo queria fofocar de todo mundo. No fundo, no fundo, você nem quer perder o BV, beijar nessa idade é estranho, ninguém sabe direito como é que faz, fica nessa pressão de beijar logo porque ninguém quer ser o único que não beijou ainda.

E comigo foi a mesma coisa. Estava na hora, todo mundo beijando, você tem que beijar. Tem que namorar alguém, alguém tem que gostar de você. E lá estava eu, sem amigas para falar dessas coisas. Enquanto as meninas atrás de mim ficavam toda hora trocando bilhetinhos, eu não tinha com quem trocar. Com quem falar disso? Os com quem eu podia falar, não se fala.

Pensando bem, por boa parte da minha vida eu só tive a minha mãe de mulher para conversar. Em casa só tinha menino e na escola só tinha menino. As minhas primas eu só via nas férias e, com a Alicinha, a mais nova, eu conversava disso porque ela perguntava.

Uma vez as mães do Rafa e do Gabi os deixaram viajar para Poços conosco, no meio do ano. Era época de frio, então usamos pouco a piscina, ficávamos mais na fazenda de gado do Tio Carlos porque a Bia levava a gente para lá. Levamos nossa 3D também e, com o Lipe, a gente fez muita coisa legal. No fim da viagem a Alicinha perguntou qual dos dois eu gostava, porque era visto que os dois gostavam de mim e eu não entendi o que ela quis dizer, só sei que a minha cabeça deu um nó:

Se os dois gostavam de mim, o nosso trio não ia durar para sempre. Uma hora ou outra a gente ia se separar porque eu sou só uma e eles são dois. Se eu gostasse de um, como o outro ia se sentir? Isso me deixava triste e, na volta para casa, os dois não entendiam do porquê de eu ter ficado tão quieta.

Começaram os problemas com o "escolher". A pressão de beijar e a pressão de escolher. O Gabi ria de mim, ele já todo desenvolvido, os pelos começando a nascer, as meninas no pé dele, ele já não tinha mais medo de perder o BV até mesmo porque ele tirou boa parte do BV das meninas. Arrastava-as para a garagem onde as tias da van guardavam as vans de levar os alunos para casa e dava beijinho nelas. Demorou para perceber que era o menino mais bonito da sala, mas quando descobriu, demorou pouco a tirar proveito.

Enquanto eu e o Rafa... a gente ouvia ele contando das coisas, do como as meninas beijavam, do como ele fazia para arrastá-las para lá, mas a gente não respondia nada, só ouvia. Ficava com medo de dizer alguma coisa que desse na cara de que nós não tínhamos beijado ninguém.

Um dia, fomos nós três no cinema e aquele dia foi o mais estranho de todos. Era muito esquisito. Sentei no meio deles, como sempre, Rafa na direita, Gabi na esquerda. Lançava um filme que a gente tava doido para ver e já tinha estourado a tela do celular de tanto que víamos o trailer. Com muita pipoca e coca-cola, num dado momento, o Gabi segurou na minha mão. Só catou e segurou, normal, seguro de tudo como só ele. Ficou segurando a minha mão, mas não me disse nada.

Coisa de troca de cena, eu que já tinha parado de ver o filme, doida de nervoso de ver o Gabi com a minha mão, vem o Rafa segurar a outra. Coração mais rápido que eu, não tinha. Manuela Miller Ferreira, morta por AVC aos doze anos.

— Você pode soltar da minha mão, se quiser. – O Rafa disse, cochichando. Ele era quietão, mesmo. Sempre foi, mas era cheinho dessas simplezas.

— Não é isso.

— Sua mão tá suando.

— É que o Gabi tá segurando a minha outra.

— E qual das duas você quer?

— Eu vou ter que escolher? – E falar era pior do que pensar.

— Só se quiser.

Fui falar com o Gabi, do meu outro lado:

Para Sempre TrêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora