Capítulo IV - E nos dizem o caminho que devemos seguir

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Clarisse estava muito preocupada. Andava de um lado para o outro da casa noturna, verificando em cada pequeno espaço se Suho estava ali. Faziam dois dias e duas noites que a sua protegida havia sumido sem deixar pistas. Era estranho demais para a mulher belíssima que sempre sabia do paradeiro da moça — afinal ela era extremamente obediente e calma. Nunca havia traído a confiança da Clarisse e sempre a ouvia, desde pequena quando ainda andava pelas coxias desajeitadamente, limpando-as em troca de um lugar para dormir e de um pouco de comida.

Suho havia sido resgatada por Clarisse quando ainda era uma adolescente e ainda era muito nova na época que tudo aconteceu. A dona da boate sempre havia a protegido, como se fosse sua filha e tentou argumentar com a garota sobre se apresentar na boate, o que não deu resultados. A cantora era teimosa e desejou desde que entrou no teatro se apresentar. Obedecia a Clarisse — a tratava como uma mentora e às vezes como uma mãe —, porém não conseguia negar o fato que as luzes, as roupas, as vozes e os aplausos encantavam-lhe. Então implorou a sua protetora por ajuda e quando completou quinze anos conseguiu a chance de se apresentar em um número pequeno. Era uma Valsa cantada e pouco dançada.

O público do Something amou a menina doce e brilhante. Suho havia treinado duro desde que havia chegado ali. Claro que Clarisse a havia ajudado, ensinando-lhe a ser a dama que todos esperam. Suho era feminina por natureza, mas deu o seu melhor para se adequar ao que o público queria. Então logo conseguiu ganhar os corações e as carteiras daqueles que vinham a boate em busca de diversão ou arte. Apesar disso, Clarisse lhe impôs regras que consistiam em: nunca sair com nenhum homem, manter-se distante da equipe para parecer fria — Clarisse achava que assim ninguém descobria o segredo de Suho —, não interagir com ninguém fora dos palcos, nem aceitar visitas no camarim, além de usar um camarim próprio. A bailarina experiente acreditava que com essas regras estaria protegendo Suho, porém seu coração apertava ao imaginar a solidão da garota que sempre ficava sozinha.

Era um passado não muito distante que rondava a sua mente. Imaginava se era por ter imposto regras demais que Suho havia fugido. Não conseguia entender o motivos de fato, nem o que estava acontecendo. A sua menina não havia levado nenhuma de suas roupas. O pequeno apartamento de Suho estava intacto.

Andava e andava pelos bastidores do Something procurando respostas. Os números estavam organizados de forma a excluir a Valsa de Suho, alegando ao público que a moça encontrava-se doente. Svengal estava como principal junto a sua cadelinha. Chen era a segunda principal nesses dias e enquanto se alongava no camarim acabou vendo a dona do teatro andando pelas coxias, coisa que nunca fazia.

A chinesa parou o exercício que sempre fazia antes de subir no palco e aproximou-se do batente da porta, suspirando cansada. Saber demais era cansativo, pensou e agoniou-se.

— Ela não vai estar nas coxias, dona Clarisse — disse calma com o corpo encostado no batente da porta, sorrindo terna.

— Você — sorriu de forma enigmática para a sua contorcionista — por acaso sabe o quê aconteceu?

— A senhora não sabe? — A chinesa sorriu. Era um fato conhecido por todos no subúrbio que Clarisse sempre sabia sobre tudo e sobre todos.

— Está brincando comigo, menina? — Clarisse aproximou-se e tocou a face bem maquiada da outra, segurando com força o queixo alheio. — Eu sei de muitas coisas, como do que você vive, sua puta — Chen estava sentindo dor, mas ainda sorria medindo forças com a sua senhoria — bem como conheço os amigos dele do parlamento, querida — apertou ainda mais a face alheia — bom... Também sei onde a esposa dele se encontra, vadia.

Soltou a face alheia, imaginando que Chen estaria chorando por ter sido humilhada, mas a chinesa apenas deixou que um sorriso brilhante nascesse em sua face, medindo forças com Clarisse.

Valsa comigoWhere stories live. Discover now