-É porque...?

-Eu sinto sua falta. Só isso. E lhe ver uma vez por semana não é o suficiente.

Alguns segundos se passaram e se manteve o silêncio, então Luccino, Otávio e Randolfo chegaram mais perto da janela e espiaram para fora. Ernesto deu um sorriso debochado (mas só Luccino e Randolfo sabiam que aquele era o sorriso apaixonado de Ernesto), e deu um passo em direção a Camilo, e dando uns tapinhas no braço do mais baixo, disse:

-Peço que saia do quartel. Ou jogarei tudo para o alto e lhe beijarei aqui mesmo.

Otávio e Luccino se entreolharam e trocaram um sorriso. Era assim que eles se sentiam, todos os dias, a toda hora.

Eles acharam sensato saírem agora, e viram Camilo já do lado de fora do quartel, indo em direção a cidade. Ernesto tinha as mãos na cabeça, e mordia com força o lábio inferior, na tentativa de não sorrir apaixonadamente. Otávio aproveitou para dispensar os soldados e manda-los fazer as tarefas do dia.

Ernesto viu que Otávio, Randolfo e Luccino voltaram para ali, e pareciam achar graça do sufoco que o soldado acabara de passar.

-Isso, seus carcamanos, riam de mim. – disse Ernesto. – Eu estava nervoso como nunca estive na vida!

-Tudo bem, Ernesto. – Otávio tentou lhe acalmar. – Luccino e eu sabemos como é ter que se controlar na frente de todos.

-E tenho certeza que Randolfo já teve que se controlar para não beijar Lídia na frente do Senhor Felisberto. – riu Luccino.

-Mas tem uma coisa. – Ernesto parecia confuso. – Mesmo eu me sentindo bem estando com Camilo, quando penso no que sentia por Ema vejo que não era uma farsa ou um faz-de-conta. Eu realmente desejava Ema.

-O que quer dizer?

-Eu me pergunto...Será se é possível eu gostar de damas e cavalheiros ao mesmo tempo?

-Ernesto, se nós existimos, - Otávio colocou a mão no ombro de Ernesto – você também existe. Uma pena é que você e Ema faziam um belo casal.

-O mais engraçado é que Camilo me disse que Ema sempre gostou de Elisabeta Benedito, apesar de nunca ter dito isso para ela. – comentou Ernesto. – Mas aposto que Elisabeta adoraria de saber dessa admiração de Ema.

-Será que começamos uma evolução aqui? – Otávio perguntou para Luccino.

-Talvez, major. – sorriu o italiano.

-Luccino... – chamou Randolfo. – Aquele não é o seu amigo Mário?

Luccino e Otávio olharam para onde Randolfo apontava, e viram um rapaz baixo com uma mala grande conversando alegremente na porta de uma mercearia, gesticulando enquanto abria a mala e tirava alguns itens dali. O italiano abriu um grande sorriso, enquanto o major ficou sério. O rapaz olhou em direção ao quartel e estreitou os olhos, como se tentasse reconhecer alguém, e Luccino, sem pensar, acenou para ele.

Mesmo de longe o soldado percebeu que Mário sorria, e viu o caixeiro viajante se despedir com quem ele falava e andava rápido em direção ao quartel. Luccino também foi andando, em direção ao amigo. Somente Randolfo e Ernesto perceberam as orelhas de Otávio ficarem vermelhas e que ele fechara as mãos em punhos, as veias dos pulsos saltando devido à força que ele fazia.

-Luccino Pricelli. – cumprimentou Mário, com sua voz rouca.

-Mário, a quanto tempo! – exclamou Luccino.

-Não se abracem, não se abracem... – pedia Randolfo em baixo tom, cruzando os dedos, mas logo após ele viu Luccino e Mário se abraçarem, o mais baixo fechando os olhos enquanto isso. – Ai, meu Deus...Isso será um inferno...

Otávio inspirou fundo e fechou os olhos, como se tentasse encontrar forças para não se irritar, mas ao abriu os olhos viu que não era uma ilusão sua. Mário estava ali, abraçando o seu Luccino. E então Otávio expirou, como um dragão que soltava fogo pelas ventas, começou a caminhar em direção dos dois, e repetia para si mesmo "Não irei me descontrolar...Não irei me descontrolar....Não irei me descontrolar...".

-Seu superior está vindo. Devo me preocupar? – perguntou Mário, ao sair do abraço.

-Acho que não. – respondeu Luccino. – Não estamos fazendo nada demais.

-Olá, Senhor Maurício. – cumprimentou Otávio, dando um sorriso falso para o rapaz. – É um prazer revê-lo.

-O prazer é todo meu, major, mas eu me chamo Mário. – disse Mário, com um sorriso mais verdadeiro, estendendo a mão.

-Desculpe ter errado seu nome, normalmente só lembro do nome de pessoas significantes para mim. – comentou o major, olhando para a mão estendida do caixeiro com a sobrancelha levantada, mas sem intenção de aperta-la.

-Creio que está no seu horário de trabalho, Luccino, então não irei incomodar. – Mário disse ao voltar-se para Luccino. – Mas que tal jantarmos juntos hoje? Tenho muitas histórias novas para lhe contar.

-Claro, claro. Jantaremos, então.

Mário se despediu e saiu do quartel. E então Luccino se virou para Otávio, que encarava suas unhas, em total despreocupação.

-Sei que não gosta do rapaz, mas precisava ser tão indelicado? – perguntou Luccino, chateado.

-Pelo menos dessa vez ele teve a decência de perceber que você está trabalhando. – somente disse Otávio, dando meia volta e andando para longe do soldado.

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