L2|| XI. No Momento Exato

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Eu já estou lá pelo meu décimo quinto copo de veneno humano. Sim, décimo quinto, porque tenho certeza, pelo que venho experimentando há algum tempo, que estas bebidas não me afetam do mesmo jeito -ou pelo mesmo tempo- que afetam humanos. Duram minutos e tudo bem. Já acho uma experiência interessante o pouquinho de leveza que esta me dá, por mais que não dure. Eu raramente consumo algo que possa alterar minha mente dessa forma e me diverto nas raras ocasiões que posso fazê-lo.

Mas essa última dose que esse homem de pele negra e rosto perfeito me paga é forte, e é o motivo pelo qual eu estou aqui. É uma bebida feita únicamente de flores do mundo humano. Exatamente o que eu preciso. O efeito é pleno e dura. Eu não me curo tão rápido dela. 

Um pequeno shot e eu estou nas nuvens humanas, adorando a sensação.

 — Gostou? — ele berra a minha orelha, em meio a alta música. Eu afirmo que sim com minha cabeça. — É importada. Sente o aroma e o gosto leve? É por que ela é feita unicamente de flores silvestres francesas.

A pequena informação me fez sorrir exageradamente. Disso eu já sabia. 

Eu peço outra dose.

 — Não, aqui eles só oferecem amostras. É cara pra caramba, então só servem lá em cima pros magnatas, na área VIP. — ele explica aos gritos, apontando para o mezzanini acima de nós. Acompanho seu dedo com o olhar e decido subir lá, pois vou levar mais dessa bebida para outros mundos que consomem flores como Adaris.

Intrigada com a palavra que ele disse, me pergunto o que é um magnata e se eu sou um. Pergunto a ele como faço para chegar lá em cima de forma normal e humana, e ele franze o cenho mas explica que eu devo passar por uma entrada e aponta para ela. 

Na frente da escada coberta de carpete vermelho, tem um cara gigante que guarda a passagem lá para cima. Largo o cara sentado e falando. Chego no grandalhão da forma que já vi muitas meninas chegarem. Sou uma observadora das mulheres humanas, pois estas tem tudo o que querem. Mas apesar do segurança ter gostado da atenção charmosa que dei á ele, afirma repetidamente que eu preciso ser convidada VIP para entrar ali.

— Você precisa de uma pulseira como aquela pra entrar, moça. — diz, educadamente me mostrando a bendita. 

— Como essa? — levanto minha mão direita. O iludi fazendo-o ver o negócio néon no meu pulso que acabei de copiar da garota que passa por nós, e após franzir o cenho brevemente confuso, ele abre a portilha para mim. 

E eu já estive em outros mundos. Já vi diferentes seres, lugares, deuses. Experimentei coisas, socializei com vários tipos, e afirmo que o mundo humano é um dos meus favoritos. Essas simples frivolidades que eles inventam me encantam, pois são enormes em suas pequenices. Ao menos por enquanto. Tudo aqui me é mais ou menos novo e vamos ver até onde o gostinho de novidade vai durar.

Honestamente, me faz bem ficar aqui. Me rodear disso. Humanos não sabem quantas frequências boas eles são capazes de emanar e eu me alimento disso da melhor forma. Eu acho que boas vibrações impedem a escuridão dentro de mim de me consumir e eu aprecio isso.

Parece dramático, mas é verdade.

Após subir os degraus, passo por um corredor vermelho que finalmente me leva até onde observei lá de baixo. Algumas garotas dançam na beirada da barra de aço que forma o limite do andar, mandando beijos e tchauzinhos para quem está lá no térreo.

Andando devagar, tento entender o que constituí uma área VIP, o nicho do tal magnata. Meu conhecimento do mundo humano ainda é intermediário, mas sei como algumas coisas funcionam.

Em poucos minutos aqui já percebo que algo diferente rege o ambiente. Algo que faz essas pessoas se acharem boas demais para dançar e beber junto com as outras pessoas que não são magnatas para entrar aqui.

Em outros mundos essa separação pode se dar por muitos motivos. Em Adaris ás vezes é por espécie, tipo de magia ou a quantidade que alguém possui.

No mundo humano essa magia é o dinheiro.

E aqui tem bastante dele, da para sentir o cheiro no ar.

Vou passando por mesas escuras rodeadas por sofás de couro, alguns cheios de pessoas, alguns vazios. Os espaços em que elas se encontram parecem fechados para o resto do mundo. As mesas que tem garrafas bonitas -que não são a que eu procuro- estão cercadas por mulheres extremamente belas e elegantes homens revestidos de luxúria por elas.

Essas pessoas são nímias. Falam alto, riem. Estão cobertas de coisas que brilham, deixando-as ainda mais atraentes para qualquer olho que os fitasse.

Começo a procurar a garrafa. Ela será uma grande moeda de troca em qualquer mundo. Averiguando mesa por mesa, assistindo pessoas se roçarem umas nas outras, ou conversarem e dançarem, começo a perder a paciência pois não encontro o que eu quero.

Por um momento, tenho a sensação estranha de que olhos estão sobre mim, continuamente. O que é estranho pois eu olho ao meu redor e não vejo ninguém. Mas os olhos perduram qualquer outra sensação, especialmente quanto mais eu me aproximo da última mesa da área VIP.

Olhando a tal mesa de longe que me chama a atenção, vejo três homens sentados ao redor dela, com mais seis mulheres. Agumas delas parecem se divertir, especialmente com um deles que tem a pele negra, sorridente que dança com elas. E para minha surpresa, um deles era o loiro que vi na entrada, com a cara mais fechada que já vi, apenas observando uma garota dançar a sua frente, entediado. O outro tinha os cabelo negros como a noite que caí sobre São Paulo agora, e fala ao pé do ouvido de uma bela mulher que senta a seu lado, de pernas cruzadas e vestido dourado. Pela cara dela, ela parece gostar do que ele diz. 

Estranhamente, o homem retira sua boca do ouvido da mulher e olha para mim, percebendo que eu o encaro e me encara de volta, enquanto a mulher a seu lado o responde e ele não presta atenção, apenas me devolve o olhar com similar curiosidade.

Eu juro que nunca recebi um olhar desses em toda minha existência. E também nunca devolvi outro assim.

Resolvo quebrar esse transe depois de um certo tempo, com uma sensação esquisita. Decido sair dali e continuar minha procura. De nada me interessa aquela mesa, e não estou aqui por eles. Me retiro o mais rápido possível para focar na minha tarefa, encontrando em meu caminho um bar assim como o de lá de baixo.

Certamente é aqui que as flores silvestres líquidas estão. 

Mas antes que eu possa me aproximar do bar, uma mão agarra meu braço e me arrasta com a velocidade da luz até uma parede escura e me cola contra ela.

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