Não parece um homem

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                       –Você não pode, vai morrer! – Insistiu Ivela, mas Felps estava com tanta raiva que achava que bem que poderia matar qualquer pessoa no caminho e assim chegar no norte são e salvo.

                       Aliás, onde estava a partilha quando se precisava dela? O pedaço de carne pulsante e vivo. Se o engolisse, sabia, agiria tão loucamente que Marion não teria outra escolha senão enviá-lo para o norte.

                     Marion, egoísta e infantil. Tão irritantemente desrespeitoso que Felps se amaldiçoou por não ter ouvido Ivela antes. Ora, tinha ficado por ele. Tinha ficado, como um idiota! E no entanto...

                   –Felps, pense bem, sair sozinho, à noite...Não faz isso, você só está com raiva. Ao menos peça um cavalo para Lolá, eu sei que ela te daria um.

                 Sim, ela tinha razão, e não apenas Lolá lhe emprestou um cavalo, como também o fez despedir-se do delicado vestido vermelho acetinado,para adotar as horríveis roupas de caçar.

                 –Mesmo assim não parece um homem – Ela riu gostosamente vendo Felps atar um nó horrendo nos cabelos.

                  O rapaz observou no espelho e próprio reflexo iluminado pelo castiçal que Ivela segurava. A única bela peça de roupa que lhe sobrara era a negra pele de pantera que ganhara de seu Ictar. Apertou-a junto ao corpo, depois enxugou uma lágrima com raiva.

                   Mas quando despediu-se das duas chorou outra vez quando Ivela o fez jurar que não se machucaria e que voltaria se achasse conveniente, chorou também ouvindo os avisos de Lolá sobre entrar depressa na Estrada, segundo ela aquela era uma boa maneira de evitar agressores e por fim, com os olhos inchados, Felps rumou para fora do aposento, descendo as escadas circulares até o salão que cruzou quase correndo, para então desembocar no pátio, onde um cavalo selado o aguardava. Segurando-lhe as rédeas Marion lhe lançou um sorriso torto.

                  –Nem assim parece um homem – Ele disse numa imitação absurda da irmã. A parte da frente de suas roupas ainda estava molhada de irlan.

                  –Me dê o cavalo. – Pediu Felps estendendo a mão.

                   –Claro, estou ansioso para ver se monta neles tão bem quanto monta num homem. – Respondeu o outro e Felps não respondeu àquilo porque Marion obviamente tentando fazê-lo perder tempo e Felps tinha pressa. Sentia-se prestes a fazer uma coisa burra e não queria ter tempo para mudar de ideia. – Você não vai conseguir chegar lá. –Marion enlaçou-o com um braço, de modo que Felps odiou seu cheiro de flores, irlan e seus olhos de chá. – E se chegar, o que achaque vai encontrar no norte, garoto? Dom Einov é um darf, ele é filho do rei deles, ouvi dizer. Soube que servem tortas e bolos com...

                     –Não vai me fazer desistir! – Empurrando-o Felps tomou as rédeas das suas mãos. Encaixou o pé direito no estribo.

                    –Garoto...

                   O rapaz segurou a parte da frente da sela e se içou para passar a perna para o outro lado. Sentou-se.

                 –Felps, você não pode.

                 Felps ajustou o assento. Sim, podia. Poderia perfeitamente. Deu um tapa no traseiro do animal e partiu para o portão atravessando-o. Não queria olhar para trás. Não deveria. Marion era tão estúpido e bêbado tão... O ar da noite do lado de fora parecia até mais frio,mais livre. Na distância, as luzes da vila se transformado contas de um colar desfeito. Os portões se fecharam atrás de si deixando-lhe a única opção adiante.

                  De cada lado da trilha pavimentada, dezenas de comboios vazios esperavam pela carga que talvez nunca mais viesse. Marion não poderia simplesmente fazê-lo embarcar num daqueles? Claro que não, quando é que Marion o tinha ajudado? E quase como se invocasse o demônio com pensamentos a seu respeito, Felps ouviu a voz do Dom, que soou num grito estranho, longe, porém sinistro de tão claro:

                  –Gong!

                   Lançou um olhar por sobre o ombro e no instante seguinte, quando voltou a fitar a estrada o vulto enorme, uma asa aberta, surgiu contornando um dos comboios vazios.

                 –Aaaaaargh!– A visão súbita fez o cavalo de Felps empinar nas patas de trás relinchando de susto. Desequilibrado o rapaz escorregou precariamente se agarrando às rédeas.

                 –Não-não-não...–Fez Gorgoncor correndo na sua direção – Você não vai não.–E mãos enormes agarraram Felps antes que caísse.




Borboleta (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora