[01] Cenas de um pesadelo real

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O uniforme pinica, as salas não parecem ter ar condicionado e os alunos são verdadeiras ameaças a qualquer pessoa que tenha o mínimo de instinto de autopreservação.

Falam alto, berrando uns com os outros, mesmo estando próximos. Os meninos se cumprimentam com tapas estalados nas costas que não me surpreenderia se deslocasse uma clavícula ou algo do tipo. As meninas trocando ofensas de baixo calão que, no mundo distorcido delas, imagino que seja um sinal de carinho.

Passo direto por todos eles, evitando ser notada, mesmo sabendo que meu cabelo sedoso e brilhante chama muita atenção.

Atravesso o pátio sem grandes problemas, adentro a construção, que mais parece uma caixa de papelão, para procurar a minha sala.

Primeiros dias de aula já são, em sua essência, confusos. Cheios de reencontros, muitos deles que você não gostaria de vivenciar, novidades sobre as viagens de férias para contar, novos professores para conhecer... Enfim, muita informação.

Mas se você adicionar o detalhe de ser uma escola totalmente nova no seu último primeiro dia de aula fica tudo muito, muito pior.

E é o que acontece comigo enquanto num movimento brusco me desvio de uma legião de alunos que andam desgovernados pelos corredores que faz minha Louis Vitton escorregar do meu ombro.

— Qual foi, loirinha? – pergunta um dos alunos desgovernados em tom de sedução quando nossos caminhos se cruzam.

Nem preciso olhar na direção dele para saber que ele preenche vários dos pré-requisitos montados tão carinhosamente por Radija e Britânia de pessoas que devo passar longe.

Ou seja, não o cumprimento de volta.

Logo, o resto dos alunos desgovernados riem do vácuo que ele ficou.

Coitado.

Mas não é culpa minha se ele tem um brinco de brilhante encrustado na orelha e um boné de aba reta que acaba com todas as chances de mantermos algum tipo de contato.

Radija e Britânia sabem do que estão falando.

A prima de Britânia já passou por isso. Me lembro muito bem de quando a empresa do pai de Sofia quebrou e eles ficaram sem nada, passou na televisão. Ela teve que mudar para um colégio público no meio do ano e tudo o que eu conseguia pensar era "Cruzes".

Que é mais ou menos o que eu continuo pensando agora.

Mas agora quem está vivendo esse pesadelo da vida real sou eu, que fui obrigada a deixar o colégio que estudei a vida inteira para trás e me matricular num colégio público justo no terceiro ano.

O último ano.

O ano em que acontece a épica festa de formatura, igual nos finais de filme de romance adolescente.

Como será que anda o primeiro dia de aula no meu amado Castelinho? Será que eles já começaram a debater os detalhes da festa? Quem vai ser a responsável pelo comitê de decoração?

Deveria ser eu.

As perguntas não param de pipocar na minha cabeça enquanto caminho pelo corredor mal iluminado desse lugar que as pessoas insistem em chamar de instituição de ensino.

Queria que minha conta de celular não tivesse sido congelada para poder mandar as perguntas diretamente para minhas amigas. Um absurdo essa escola não ter wi-fi. Como os alunos fazem pesquisas?

Como eles se comunicam? Será que todos têm condições de bancar um 4.5G? Ou eles só ficam na base dos tapas nas costas mesmo?

Com muito esforço acho minha sala e deixo as indagações de lado. Foco minha concentração em escolher um lugar mais ou menos apropriado.

O lugar que você senta diz muito sobre você.

Esse foi outro conselho que Radija e Britânia me deram, mas ele não está na lista. Pois não precisa ser lembrando, nós o colocávamos em prática durante todos os primeiros dias de aula que tivemos juntas no Castelinho. Aonde quer que sentássemos, um séquito de seguidoras sentava logo atrás.

Isso dizia muito sobre a gente.

Dizia que ano após ano nossa credibilidade como as Rainhas do Castelinho só aumentava.

E eu tive que abandonar o trono bem no auge do meu reinado. Para vir para essa pocilga, em que os estudantes ouvem funk alto no fundo da sala e ensaiam passinhos sem a menor cerimônia.

Coisa que só serve para me apavorar e estabelecer que o mais indicado é que eu sente na frente.

Contudo, a região frontal da sala também não é muito aprazível. Tem um grupo de meninas fazendo umas as unhas das outras, espalhando um cheiro forte de esmalte e acetona pelo ambiente e meia dúzia de gato pingado fazendo anotação em livros e cadernos.

É para esse segundo lado que vou, se quero passar a impressão de que sou uma menina estudiosa, o melhor é que eu tente me misturar com o pessoal que realmente estuda.

Evito sentar ao lado da menina que usa muito creme no cabelo e passo longe do garoto com bigode de porteiro, que mais parece uma taturana calva. Acabo estacionando minha Louis Vitton na carteira ao lado de um rapaz negro, de cabelo ouriçado que usa All Star, o que pretendo dar uma colher de chá, tendo em vista que não tem nem anéis de lata pendurados, nem palavras aleatórias pichadas no calçado.

Mas essa é a única coisa que estou disposta a relevar, por isso logo após me sentar viro para ele e pergunto:

— Que time você é?

Ele olha para mim com as sobrancelhas enrugadas atrás de uma armação falsificada de óculos da Ray-Ban e pergunta:

— Quê?!

— Time. De futebol. Você tem um? – pergunto dessa vez exagerando na dicção, como se estivesse falando com alguém que não é familiarizado com nossa língua materna.

— Tenho... – ele responde, cauteloso. – Flamengo, por quê?

Sem nem responder à pergunta, pego minha Vitton e levanto.

Me dirijo, sem olhar para trás, em direção às meninas manicures.

Aquele rapazinho foi longe demais. Eu até poderia passar por cima de um All Star bem asseado, mas jamais me associaria a um torcedor do flamengo.

Afinal, tenho parâmetros para me guiar.

Rad e Brit ficariam orgulhosas da minha atitude.

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Música do capítulo: 

Acabo de chegar da FLIP (Festa Internacional do Livro de Paraty) e estou ON FIRE! Viajar, ainda mais pra um lugar repleto de livros assim, me dá um gás tremendo. E o resultado desse gás é a postagem desse primeiro capítulo aqui nas altas horas da madrugada. 

Espero que ainda tenha alguém online pra compartilhar esse momento de euforia. Também espero que o Wattpad me  deixe responder os comentários de vocês, coisa que não aconteceu no último capítulo. Mas vou tentar responder aqui pelo computador, pois algo me diz que vai ser mais fácil. 

(Estou de dedinhos cruzados) 

Também estou de dedinhos cruzados para que alguns de vocês apareçam pela BIENAL, em especial dia 07/08, que é quando vai rolar o encontro de fãs de Fanfic e Wattpad. Mas se vocês não conseguirem, também vou estar por lá durante a feira toda, autografando livrinhos e distribuindo amor. 

Outra coisa que queria pedir a ajuda de vocês é INDICAÇÕES DE MÚSICA, porque tô montando a playlist do livro e adoraria que vocês participassem disso. Logo, se você sabe de uma música que lembra a Mercedes ou o clima do livro é só me dizer. Aqui ou no grupo de leitores (OLIVETES de Aimee Oliveira).

E é isto, quero muito saber o que vocês vão achar do primeiro dia de aula da Mercedes, por isso me despeço. 

Beijos estrelados, Aimee*

A arte de morder a línguaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora