I08I - Olhos infernais

8.6K 1.3K 439
                                    

- Não deve ficar aqui, é perigoso. – Falei recuperando minha respiração e ficando de pé. Tinha levado um maldito susto quando ele falou pela primeira vez. Você não espera que alguém surja do nada quando há um lobo a sua espera. Minha faca tinha caído em algum lugar, mas eu não queria que ele me visse a procurar. Pessoas podem não reagir bem a facas, principalmente facas empunhadas por estranhos no escuro da floresta.

- Não deve ficar aqui, é perigoso? – Ele repetiu em um tom monótono, também se botando de pé a uma distancia segura. - E você senhorita, não tem medo de ficar sozinha tão tarde da noite nesse lugar? – Perguntou, a digna preocupação enchendo sua voz.

Eu pisquei. De onde este homem tinha saído afinal?! Certamente não era de Sweney Pines, olhei para suas roupas. Botas, capa e chapéu. Ele deveria ser um mercador de outra forma como teria parado nesse lugar? Olhei com dificuldade sobre seu ombro esperando ver uma carroça ou algo similar. Não encontrei.

- Há monstros nessas redondezas, se apresse e saia daqui. – Falei vasculhando o chão com os olhos, não podia ficar sem minha faca se quisesse ter alguma chance de sobreviver pela noite.

Até alguns muitos anos anteriores as Escolhidas eram amarradas a um mastro fora do Limite e pintadas com sangue de cordeiro. Mas elas nunca eram mortas pelo Lobo no mastro, ele deveria as soltar para caça-las, porque no dia seguinte quando voltavam para ter certeza que o Lobo havia 'recolhido' seu sacrifício não havia nenhuma gota de sangue perto do mastro e a corda sempre parecia rompida por alguma coisa afiada. Quando Tiron assumiu o comando da vila deixado por seu pai, ele convenceu Viremont a simplesmente mandar as garotas para fora do Limite. Obrigada.

- Monstros? Que tipo de monstros? – Ele parecia se divertir perguntando. Não deveria acreditar em mim.

- Olha você não parece ser desta área, estou ti dando um conselho. Não vai querer permanecer nesse lugar nem por um segundo qualquer quando vê o que espreita por estas árvores. – Simplesmente não podia lidar com esse homem agora e me custaria um bom tempo tentando explicar que ele estava interferindo com um ritual de sacrifício humano para agradar a algum deus bestial.

- Certo, você parece bem séria. - Ele espalmou as mãos no ar - Mas ainda não respondeu a nenhuma de minhas perguntas, não posso simplesmente deixar uma mulher sozinha na floresta. Isso feriria meu senso de cavalheirismo. – Disse, colocando a mão no peito.

- Vou ficar bem. – Respondi me virando para a árvore, a faca não podia ter caído tão longe.

- Mesmo sem sua faca?

Meu mundo congelou, talvez tivesse ouvido errado, engoli em seco e me virei lentamente. Meus olhos se alargando com surpresa. Minha faca de caça brilhava em sua mão pelo luar e ele não parecia nem um pouco disposto a devolvê-la.

- Sabe da última vez que esteve com ela na minha frente não foi agradável. – Ele afastou a capa do pescoço e traçou com o dedo uma linha rosada, uma cicatriz de um corte. - Surpreendente de fato, mas não agradável. - Ele soltou o tecido que voltou a esconder a cicatriz de seu pescoço.

- Então sei o que faz aqui senhorita... – Ele fez uma pequena mesura e quando se ergueu a luz da lua coincidia sobre seus olhos. Olhos dourados, olhos com luz própria, olhos infernais. Não podia ser. Eu deveria correr, eu queria correr, mas minhas pernas pareciam fincadas no chão.

- Está para dar o que é meu.

Ele se aproximou e eu podia sentir aquele gosto estranho em minha boca novamente. Como?! Como este homem poderia ser o Lobo? Isso não fazia sentido algum.

Ele levantou uma mão em minha direção, a mão com a faca. A ponta da faca tocou gentilmente meu pescoço, como uma caricia, bem em cima da pulsação. Arfei. Eu podia ver sua expressão agora, sua máscara de 'bom cavalheiro' fora do rosto. Não havia nada naquele rosto, nada naqueles olhos. Era como olhar para uma rocha. Ele movimentou a faca, a ponta agora tocava meu queixo me obrigando a olhar diretamente em seus olhos. Eu não queria olhar neles, havia uma certeza primitiva em meu corpo que eles me fariam afogar, afogar em uma imensidão infernal. Virei meu rosto, a faca deixou uma linha de sangue em meu queixo, a dor me deu forças para recuar.

Recuei um, dois, três passos e me virei pronta para fugir, mas então braços fortes me agarraram por trás. Meus pés chutaram o ar e eu gritei. Havia um braço envolvendo minha cintura e outro em meu pescoço, cortando meu ar. Cravei minhas unhas no braço em meu pescoço, mas ele não se moveu nenhum centímetro, sua respiração estava quente em meu ouvido. Ele nos sentou no chão, eu podia ver a escuridão se aproximar pelas laterais, me cercando.

- Não pode fugir de mim Aysha Nowak – Sussurrou. - Sua vida me pertence. 

Vermelho [repostagem]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora