26 - Humanidade.

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Você nem quis saber, onde isso ia nos levar
Prestes a enlouquecer e só Deus pode me julgar
Você serviu de inspiração e só, "Girl"
  - Vida Bela, PrimeiraMente.

Pov. Lauren

Uma corda flutuante e invisível que compõe um violão. Os dedos ágeis e habilidosos de um destino que toca, nota a nota, timbre a timbre o coração de seus ouvintes. As vezes desafinado, as vezes melódico. As vezes nos deixa deleitar de canções tristes, noutra de canções doces e singelas recheadas de felicidade. Se a vida pudesse ser, em algum momento comparada a uma música, eu diria que seria uma canção contraditória, que te causam milhares de sensações e estados emocionais, em apenas uma nota.

Entrar no aparmento de Camila, a princípio, causou-me um sentimento estranho, como se estivesse invadindo um espaço pessoal. Mas olhando em volta, os móveis, os quadros coloridos de pintores famosos nas paredes. O branco predominante no ambiente, não me parecia ter identidade alguma.

- Whisky? - Camila pegou a garrafa pela metade em cima do raque e flutuou elegantemente em cima de seus saltos na direção da cozinha, onde apanhou dois copos.

- Com gelo - Pedi após longos segundos de divagação. Era estranho estar em sua presença, tão estranho a ponto de me fazer sentir um incômodo. Como se o ar a ser respirado fosse denso demais, tóxico. Naquele momento não era prazeroso respirar o cheiro de limpeza misturado com um leve e distante odor de cigarros presente no apartamento da mulher que um dia já fora alguém qual jurei conhecer como a palma de minha mão.

Camila voltou com os copos e sentou-se no sofá, esperei pelo convite, mas ele não veio, então tomei a iniciativa de fazer o mesmo.

Eu não era bem vinda em seu aparmento. E ela não sentia remorso em demonstrar isso em cada milímetro de sua expressão envelhecida pelo tempo.

No momento em que peguei o copo com o líquido amarelado, quase beirando o laranja, senti calafrios no tocar de nossos dedos, o anel de noivado não estava lá, e nem o de casamento.

Alívio.

- Eu o deixei. No mesmo dia em que retornei a Nova Iorque. - Disparou sem delicadeza alguma, o seu tom era leve, cordial. Mas seus ombros rígidos, as pernas cruzadas, a expressão congelada. Nada daquilo era congruente com o tom de sua voz. Nada. - Nós falamos nos primeiros meses, participei de alguns leilões beneficentes onde doei alguns quadros ao seu instituto de caridade. Mas aos poucos fomos nos afastando, as revistas não me deixam desatualizada sobre ele. Mas faz mais de dois anos que não nos vemos ou nos falamos.

- Eu sinto muito. - Respondi sincera, observando Camila golar o líquido, indiferente, mas eu sabia que algo nesse assunto doía nela. Eu sentia.

- Não sinta. Ou ao menos não sinta por mim, e sim por ele. Garanto que de nós dois, ele foi o menos beneficiado.

Dei um gole no whisky, apreciando o gosto amargo secar minha garganta, enquanto meus olhos se concentravam na figura a minha frente.

- Não posso entender como você chegou a esse ponto. - Observei cautelosamente. - Como construiu essa pose tão sólida de mulher inatingível. - Neguei - Isso tudo é uma mentira e você sabe disso, mas se agarra nela como se fosse verdade. Tudo muda Camila, mas a chave de nossas almas são nossos olhos, você me diz estar indiferente, mas seus olhos gritam uma música desesperada de socorro. Você transa, sente prazer, mas aposto que o vazio em sua mente, em seu peito, soa tão enorme no dia seguinte, que você precisa fazer tudo denovo, e denovo... E denovo.. Na esperança de que tudo isso um dia a complete. Você se sente bêbada pela bebida? Chapada? Não. Você parece entorpecida pelo rancor, de uma coisa que nunca vai voltar.

Notei seus ombros tensionarem e sua expressão pender para a surpresa, enquanto seus olhos enchiam-se de um brilho controverso.

- Você não sabe de nada - Virou o copo e levantou, apressou-se em colocar mais do álcool em seu copo. Parecia desesperada em fugir de meus olhos.

- Eu quero ajudar. Me deixe te ajudar Camila.

- O que você queria com aquela carta idiota? Com essa - apanhou o papel amassado em cima da pequena mesa onde um telefone descansava em cima. - carta? Ou então escrevendo letras sobre mim para o seu álbum estúpido? - Completou rude - Cresça Jauregui! Cresça! Você não pode arrancar de mim a dor de não ter meu pai aqui. A dor de não conseguir mais ter uma relação íntima e saudável com minha mãe e Sofia. A dor de ter destroçado um noivado e junto dele um homem incrível. Você não pode querer mudar uma coisa da qual eu me sinto cansada de lutar. - Arremessou a carta em minha direção, fechei os olhos. - Sente pena? Eu não preciso disso, eu não preciso da porra da sua pena. - O tom de voz aumentava a cada frase, até que a mesma deixou que as primeiras lágrimas escapassem.

Ignorei todos os ataques e  enquanto deixava meu copo de lado, aproveitei para me levantar. Observando a figura desestabilizada e tão sensível como eu nunca pude presenciar antes a metros de distância. Pudia ver abaixo de meus olhos, toda a muralha imbatível de Camila Cabello, caindo: tijolo por tijolo, lágrima por lágrima.

Como eu nunca havia visto antes.

- Camila..

- Cala boca! - Gritou - Cala a porra da boca. Quem você pensa ser? Para invadir minha vida desse jeito? Me dizer palavras bonitas e tocantes? Palavras que me ferem, me deixam nua! - Aproximou-se de mim. - Eu odeio ser tão forte em relação a você quando está longe, e tão fraca quando você se aproxima, quando me olha. Você quer que eu me humilhe? Que eu diga que sou uma vadia desgraçada que feriu exatamente todos a sua volta no intuito de se auto proteger? Pois bem Jauregui. É isso mesmo!  Eu sou uma vadia desgraçada que transa com qualquer um, que bebe como louca e no final da noite chora como uma mulher fraca e idio - Gritava no auge de seu descontrole, e antes que pudesse completar a frase, tampei sua boca com uma de minhas mãos.

- Não se ofenda de tal maneira. Você não precisa disso - sussurrei.

Engoli em seco, sentindo meu coração disparar a quilômetros por hora, minhas mãos tremiam pela proximidade, pela tensão. Cada palavra era tão afiada quanto uma lança de ferro pronta para cravar em meu peito. Seus olhos estavam incendiados de um fogo qual as lágrimas não eram capazes de apagar. E eu sentia minha pele arder com suas chamas. Queimar fibra por fibra.

- Não devia ter dado ouvidos. Não deviamos ter sequer nos encontrado, mas parece que algo sádico e narcisista gosta de nos botar frente a frente. Ansiando por algo catastrófico. - Se distanciou enquanto limpava as lágrimas.

- Nossos atos. - Siblei.

Nós regemos nossa própria música, nos tocamos cada nota e precisamos arcar com nossas escolhas. Não se trata de destino, se trata de atos, de um efeito gigantesco no qual um passo mais rápido ou mais lento muda toda nossa história.

- O que? - Riu baixo e confusa. - O que tem nossos atos Jauregui? - Completou debochada.

- Eles nos trazem aonde estamos. - A puxei para um abraço. - Me deixe te ajudar Camila.

Sentir seu coração intenso contra o meu. Me fez querer a apertar cada vez mais forte num abraço acolhedor.

Seu corpo permaneceu imóvel, ela não retribuiu meu abraçado, mas eu sentia sua dor manchar minha blusa em forma de lágrimas.

Eu sentia suas mãos finalmente erguendo-se, deixando assim que suas armas fossem ao chão.

Não pude segurar as minhas, chorei junto dela. E em silêncio, respeitava seu momento de humanidade. Ela precisava dele.

Camila precisava aprender a sentir suas dores de forma humana.

Havana •Camren•Onde as histórias ganham vida. Descobre agora