Quando Você Veio (AMOSTRA)

226 21 1
                                    


Lis reconhecia aquele lugar, por mais esquisito e diferente que estivesse. As paredes brancas descascadas, os armários rabiscados com mensagens escritas e desenhos feitos pelos próprios alunos e cheios de adesivos colados, as melancólicas portas amareladas com pequenas janelas quadradas de vidro transparente. Ela reconheceria aquele cenário com qualquer filtro vintage sépia ou preto e branco que lhe aparecesse, simplesmente porque era tudo muito diferente do que ela estava acostumada em uma escola, antes. Mas, por mais que tudo estivesse exatamente no mesmo lugar e igual a todos os dias nos últimos meses, tudo parecia bizarramente diferente. As luzes piscavam por todo o corredor e acima dela e ela não se lembrava de já ter encontrado o local tão vazio assim antes. Curiosa, Lis seguiu andando, espiando por cada uma das janelas nas portas das salas, procurando por qualquer vestígio humano que fosse. Nada. Todas as salas estavam vazias.

Quando estava prestes a desistir, então, Lis ouviu um grito agudo vindo de trás de si e, antes que pudesse se virar para ver o que acontecia, uma menina passou por ela como um furacão, o cabelo loiro platinado chacoalhando acima de sua cabeça. Lis piscou, confusa. Tentou fazer a primeira coisa que seu instinto sugeriu:

— Ei! Olá?! Onde estão todos? – Seu grito ecoou pelo corredor da escola até a menina, mas ela não lhe deu qualquer atenção. Em vez disso, entrou pela pesada porta corta fogo que levava às escadas de emergência, tão rápido quanto tinha surgido.

Lis, sem saber o que fazer, decidiu seguí-la. Quando passou pela porta, ouviu o barulho alto que os pés da menina faziam ao subir os degraus. Ela devia estar a poucos lances acima de Lis. Elas estavam no terceiro andar da escola e só havia um outro destino ao qual a menina poderia estar indo, acima: o terraço. Lis subiu as escadas com pressa, quase tropeçando e caindo, mas conseguiu chegar ao último andar e alcançar a porta que dava para o terraço antes que isso acontecesse. A menina loira não estava ali quando ela chegou, porém. Em seu lugar, havia uma outra garota, também vestida com o mesmo uniforme cinza. Seu cabelo era curto e escuro e Lis poderia a ter confundido com um menino se não soubesse exatamente de quem se tratava. Ela congelou quando Marina a encarou, o rosto vermelho e os olhos castanhos cheios de lágrimas.

— Chegamos tarde demais – Marina disse, simplesmente.

Lis franziu o cenho, claramente confusa, mas Marina apenas voltou a olhar para frente. Não, não para frente. Lis sentiu seu coração acelerar. Marina olhava para baixo, para a rua lá fora. Os pés de Lis se moveram sem a sua permissão e a levaram até o parapeito, logo ao lado de Marina. Então, acompanhando o olhar da menina, ela a viu. Logo antes de algo atingir com força a sua cabeça.

Lis levantou a cabeça da mesa fria e dura sentindo as bochechas úmidas e percorreu os olhos pela sala, tentando se acostumar de novo com a claridade - e com a realidade.

— Vá lavar esse rosto, Lis! – Ela ouviu alguém dizer e conseguiu focar sua visão no professor carrancudo e de braços cruzados à frente da sala, enquanto tentava ignorar as risadas que vinham de seus colegas idiotas.

Sem olhar mais ninguém, a menina levantou num pulo da cadeira e foi às pressas até o banheiro mais próximo de sua sala, ali no segundo andar - onde os alunos do segundo ano tinham a maior parte de suas aulas. Depois de lavar o rosto pelo menos duas vezes, ela perdeu mais alguns minutos encarando seu reflexo no espelho. Lastimável era pouco para definir sua aparência naquele momento, mas Lis não andava se importando. Se seus antigos amigos da cidade a vissem daquele jeito, porém... Três meses naquela cidade bizarra já estava fazendo a diferença e Lis se quer reconhecia a nova imagem descabelada de si. As pontas de seus cabelos, antes azuis, agora estavam desbotadas, secas e aninhadas de um jeito esquisito acima de sua cabeça, numa espécie de coque. Seus olhos estavam contornados por olheiras escuras e profundas, provavelmente por conta da falta de sono decorrente de seus pesadelos. Aquela história toda estava mexendo com ela, não tinha como negar.

Quando Você Veio ⚢ (AMOSTRA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora