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As manhãs no Colégio Batista Instituto Hirtenweg eram tudo menos entediantes. Os cerca de seis mil alunos, entre o Ensino Infantil e Médio, costumavam chegar ao mesmo tempo por volta das sete horas da manhã e embora o espaço, com suas dúzias de quadras poliesportivas, auditórios e centenas de salas, fosse amplo o suficiente para todos, os corredores de entrada, por qualquer motivo, não eram.

Nunca entendi porque só haviam dois portões de entrada, cada qual com a largura para a passagem de no máximo três alunos simultaneamente. E toda manhã era a mesma rotina. Nós nos espremíamos, cumprimentávamos, empurrávamos, batíamos. Era sufocante para alguns, para outros adrenalina pura. Eu odiava cada segundo e ansiava pelo instante em que chegássemos às escadarias que nos dividiriam em grupos, de acordo com a direção que cada um precisava ir.

A minha sala de aula ficava na escadaria leste. A da minha irmã à oeste.

E a do Vinícius também.

Pela primeira vez em muito tempo, enquanto eu subia os degraus, pausei e olhei por cima do meu ombro para vê-la. Ela estava com um grupo de meninas e elas riam como hienas, gritando coisas umas para as outras, indistinguíveis do barulho da conversa circunvizinha. 

Não consegui localizar o Vinícius na multidão. Talvez estivesse doente e teria faltado? Por um instante me ocorreu o pensamento de escrever para ele perguntando. Aí lembrei que o celular da Rafa não estava mais sob minha posse, o que tornava a ideia impossível. Suspirei e voltei a caminhar, totalmente despreparada para a aula de Física que começaria em breve.

E foi aí que eu o vi.

Meu coração disparou, o que era totalmente estúpido e sem sentido. Eu já cruzara aquele rapaz tantas vezes. O que mudara? Nada. Ele vinha na direção contrária, descendo a escadaria com pressa, os olhos concentrados nos próprios passos, aparentemente chateado por alguma coisa. A diretoria e a secretaria ficavam desse lado. As possibilidades eram tantas que nem daria para especular qual seria o problema.

Quando nossos caminhos finalmente se cruzaram, ele ergueu os olhos e me viu.

Por apenas um segundo.

E eu não sei o que eu esperava. Mas, com a mesma velocidade que me enxergou, seus olhos castanhos se desviaram e ele prosseguiu o caminho, como se eu não estivesse lá, sem um relance sequer de reconhecimento. Eu odiei a sensação com cada fibra do meu ser. A forma como me senti insignificante, embora isso não fizesse o menor sentido.


Que bem há no meio de tudo isto (ah, eu, ah, vida)?

Que você está aqui—que a vida existe e a identidade,

Que o poderoso espetáculo prossegue e a você é permitido contribuir um verso.


Esse senso de irrelevância me deixou ensandecida de raiva. Comigo mesma.

A convicção, no entanto, de que estávamos fazendo a coisa certa ao contar a verdade cresceu. Porque eu preferiria infinitamente que ele me olhasse com desprezo ou ira naquela escadaria, do que simplesmente ignorasse minha existência.

A professora de biologia perguntou o que eu tinha. Confesso que não consegui prestar atenção de verdade a nada nas aulas. De vez em quando eu lançava um olhar compulsivo para a tela do meu celular. A ausência de notificações causando uma frustração irracional, já que ele sequer tinha meu número.

Esperei, no final do expediente, pela Rafa no lugar de sempre. Eu precisava desesperadamente saber como a conversa tinha ido. Mais do que um dia já precisei saber o segredo de Edward Ferrars. Eu precisava saber o quanto ele nos odiava agora e se tínhamos danificado demais o psicológico do rapaz e se seria apropriado pedir perdão pessoalmente.

Só que mais de meia hora após o término das aulas, a Rafaela ainda não tinha dado as caras. Tentei me distrair respondendo comentários na fanfic que publico online, o que costumava ser umas das coisas que mais me trazia alegria, mas eu estava totalmente envolvida por uma agitação nervosa, uma inquietação que fazia até mesmo minhas mãos tremerem. Sem ser capaz de suportar mais, voltei à direção do portão principal decidida a procurar por ela.

Eles estavam sentados na muretinha que fica antes dos portões, onde a galerinha costuma esperar depois da aula pela condução ou pela carona dos pais.

E estavam se beijando.


* * *

E aí, gente, o que estão achando?

CONTINUA...

Prove que não é um robô (conto)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora