Capítulos 9

6K 618 29
                                    

Aos poucos o salão foi se esvaziando e nós fomos levados por Peter para um pequeno cômodo de tijolos, completamente fechado. Este ficava no mesmo andar que a área de banho. Em seguida nos trancou lá, o local era pequeno e a luz bem fraca, sem contar o fedor insuportável.

— Por que fez aquilo? — Perguntei meio que com raiva.
— Por que eu quis.
— É um idiota. Não devia ter dito que foi você, por que não foi.
— Idai?
— Eu não te pedi.
— Alem de tudo é um pirralho mal agradecido. O que ia fazer? Chorar para o Peter e chama a mamãe? Você não aguentaria o castigo que ele te daria seu chorão.
— Não fale da minha mãe.
— Por que? Vai chorar? Ah ele vai chorar, tadinho.
— Cale a boca — Empurrei Julian contra a parede e em resposta ele segurou meu pescoço na tentativa de me enforcar.
Ambos começamos a brigar e caímos no chão, giravamos  de um lado para o outro enquanto trocavamos golpes.
— Seu pirralho — Disse Julian ficando por cima de mim, em seguida me deu um golpe no rosto, a dor foi tanta que comecei a chorar no mesmo momento — Viu, eu disse — Ele saiu de cima de mim e se afastou.
Me sentei e fique encostado na parede, encolhido. Chorava pela dor e ao mesmo tempo pelo desespero de estar naquele lugar desconhecido, sozinho e sem ter a menor ideia se meus pais estavam bem.

— Desculpa — Disse Julian ainda afastado, após alguns segundos de silêncio ele aproximou-se e sentou próximo a mim.
— Eu deixei...
— O que?
—Deixei você me bater.
— Claro que deixou... Eles não vão nos dar comida, mas não significa que ficaremos com fome. Sei algumas maneiras de conseguir alimento, então quando te levarem para a alá onde todos dormem, fique acordado.
— Vou sair deste lugar e vou procurar meus pais.
— Como eu te disse, sair não é o problema, difícil é viver com essa coisa que injetaram em nossas veias. Não dá, não sem os comprimidos.
— Então pegamos alguns.
— E depois? Quando acabar? Morremos em vão e nas ruas.
— Meus pais farão algo a respeito, vão nos ajudar e você pode morar com a gente.
— Posso?
— Sim, temos uma pequena fazenda, tem trabalho a fazer mas depois é só descanso.
— Você já viu lá fora?
— Fora onde?

— Fora daqui, tem uma cerca enorme rodeando todo o lugar e um portão, as chaves ficam com Charles. Um gordo, faz tudo nesse lugar.
— A chave faz tudo?
— Não, idiota. O gordo. Ele fica de vigia, limpa as coisas, tranca o portão e trás os mantimentos para cá.
— Quantos deles existem aqui?
— Não muitos, uns nove eu acho. Como eu disse antes, o difícil não é sair e sim sobreviver sem os comprimidos.
— E se eles forem falsos? Apenas uma mentira para nos prender aqui?
— Não são, vi um garoto morrer por não tomar eles. Todos nós vimos.
— E onde eles ficam?
— Não sei, mas conheço alguém que talvez sabe.
— Quem?
— Emília, a garota que o Peter levou.
— E como ela sabe?
— Sabendo, oras. Ela sabe de muita coisa aqui.
— Então vou perguntar a ela amanha, quem sabe não nos ajuda.
— Emília não vai estar aqui amanhã.
— Por que?
— Sempre que eles a chamam, como hoje, ela fica fora por alguns dias. Acredito que a usam como garota de programa para ganharem dinheiro, alias usam todas as outras meninas que atingem a idade dela.

— Programa?
— Sim Ethan, nunca ouviu falar de sexo ?
— Acho que não.
— Como você nasceu?
— Minha mae pediu a Deus e no dia seguinte eu apareci para ela. Ela me disse isso.
— São os pais que deixam os filhos retardados assim, eu te explico como você nasceu, uma outra hora. Eu não sei se vamos estar na mesma alá de dormir então peço que você fique perto da porta.
— Perto da porta?
— Sim, as crianças aqui dormem em alas grandes, o chão é coberto por um carpete e alguns ganham travesseiros. Então fique perto da porta quando for dormir, assim fica mais fácil te encontrar.
— E onde vamos conseguir comida?
— Deixe essa parte comigo.
— Não é arriscado de mais?
— Só se nos pegarem, eu é que não vou dormir com fome.
— E onde ficam essas alas?
— No terceiro andar.
— Estou com medo.
— Não tenha.

Horas depois Peter abriu novamente a porta e nos fuzilou com um olhar de desprezo.

— Você — disse ele apontando para Julian — Já sabe onde dormir então vá para sua alá.
— E ele? — perguntou Julian preocupado com o que aconteceria comigo.
— Isso não é da sua conta, ou é?
— Não, senhor.
— Então suma logo da minha frente antes que eu mude de ideia.
Julian saiu do local e do lado de fora se virou para me olhar, parecia me dizer em pensamento: não tenha medo.
Em seguida voltou a andar e desapareceu do meu campo de visão.
Peter virou-se para fechar a porta e eu me afastei, me encostando na parede e temendo qualquer maldade que ele pretendia fazer comigo.

— Ethan — disse ele se virando novamente para mim — como pode ver eu sou um dos encarregados de cuidar de todos vocês, principalmente da saúde, sou um doutor respeitado na cidade onde encontraram você. Eu te trouxe para cá, pode se dizer que aqui é o pequeno comercio da Cassandra.
— O que vão fazer comigo? — perguntei, com medo da resposta que receberia.
— Isso vai depender de você, do seu empenho aqui. Sua obrigação é trabalhar para nós, não é tão ruim assim. Você terá onde dormir e o que comer, todas essas crianças que você viu aqui não tem para onde ir. São pobres orfãs.
— Eu não sou.
— Agora é.

A Garota Em ComaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora