Parte XVIII

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Não acompanhei Wes em seus compromissos, no dia seguinte. Ao invés disso, passei meu tempo na biblioteca do casarão, pesquisando para ver se encontrava qualquer solução para meus tormentos.

Foram horas abrindo livros e folheando páginas velhas. Wes tinha ali um vasto material sobre magia, embora ele não a praticasse. Talvez o pai, ou a mãe, ou mesmo os avós dele o fizessem e tivessem acumulado aquela coleção. Eu sabia que Wes possuía vários objetos mágicos na casa, mas eu queria distância deles, de tudo que contivesse magia, a não ser que fossem as respostas para meus problemas.

Já estava anoitecendo quando finalmente encontrei alguma coisa significativa. O livro grosso e empoeirado dizia que para anular uma poção ou feitiço do amor seria necessário o enfeitiçado sofrer uma grande desilusão a respeito da pessoa que fora forçado a amar. E foi apenas essa breve linha que o livro me forneceu; nenhum detalhe.

Pelo menos era alguma coisa. Agora eu sabia que Wes tinha que se decepcionar comigo de forma que isso partisse seu coração e pudesse, assim, libertá-lo.

No jantar daquela noite, era apenas eu e ele novamente. Ficamos em silêncio por um bom tempo após ele me perguntar o que eu tinha feito no dia e eu dizer que apenas quis ficar na biblioteca expandindo meus conhecimentos do mundo. Então criei coragem e o interroguei. Eu tinha que sondar, de alguma forma.

– Wes, o que você faria se eu desaparecesse? Se um dia você acordasse e visse que parti?

Ele arregalou os olhos, perturbado.

– Por que me pergunta isso?

Dei de ombros.

– Eu só queria saber...

– Eu ficaria louco. Sairia no mesmo instante a procurando, e não pararia nunca.

A forma como ele disse isso foi tão intensa que me pegou de surpresa. Era mesmo possível acreditar que ele passaria o resto de seus dias à minha procura, sem jamais perder a esperança de me encontrar. Ele talvez só parasse se me visse morta, e então seu coração seria partido e libertado ou ele morreria de desgosto. Dava para crer bem nisso, baseado no que fez quando sumi no mar. Ele foi lá fora e me procurou incansavelmente, pensando o pior, e em seguida o melhor.

– E se eu um dia eu não te amasse mais? – perguntei. – Se dissesse que não te amo, o que você faria?

Ele sorriu.

– Oras, eu faria com que se apaixonasse de novo por mim, e não pararia até você se convencer de que seu coração me pertence.

Ergui as sobrancelhas. Ele não estava disposto mesmo a abrir mão de mim, não importava como eu me sentisse. Aquilo que existia, que a poção havia criado, concluí, não era amor, era uma espécie de possessão, de necessidade de obter aquela pessoa. O amor de verdade é muito mais complexo, pois por mais que se ame alguém, você nunca ia querer que aquela pessoa estivesse ao seu lado infeliz.

Por isso eu deixei Loran ir, porque me importava com ele de verdade e era o melhor a se fazer. Por isso aquilo tudo com Wes era uma grande mentira, porque o desejo dele por mim era egoísta e não havia qualquer reciprocidade interna. Não havia chance nenhuma de fazer aquilo dar certo. O único jeito era decepcioná-lo e desligá-lo de vez de mim. Eu devia isso a ele.

A pergunta era: como decepcioná-lo? Eu partir e dizer que não o amo não bastaria. Arranjar outro homem também não ia esquivá-lo – como fez com Loran, ele ameaçaria o sujeito, ignorando qualquer culpa que eu pudesse ter e jogando tudo sobre o pobre homem. Eu precisava de algo que não fosse contornável, uma situação devastadora que ele não pudesse consertar.

Sorri para meu ensopado. Eu não gostava daquela alternativa, mas parecia ser a única coisa que funcionaria.

– Wes, eu gostaria de lhe mostrar uma coisa hoje à noite.

Ele pareceu agradavelmente surpreso.

– Jura, meu amor? Mal posso esperar por isso.

– Não crie expectativas, pode não ser como você pensa...

– Não se preocupe. Não tenho expectativa nenhuma. – E ergueu a taça, sorrindo em minha direção. Não devolvi o brinde, apenas entornei meu vinho na boca.

***

Wes me olhava curioso enquanto eu parava na beira da plataforma do píer e virava para ele de modo a fitá-lo nos olhos.

– Este é o lugar onde deveríamos ter nos encontrado. – Ele sorriu.

– Sim. E este também foi o lugar onde mudei minha natureza.

Wes franziu o rosto, não esperando por aquilo.

Então me virei de costas e comecei a tirar a roupa. Não espiei para ver a cara dele, mas tinha certeza de que me olhava de sobrancelhas bem erguidas.

Quando minha última peça de roupa caiu no chão, Wes deu um passo a frente. Estendi a palma da mão para ele.

– Não. Espere e observe.

Então pulei na água. Quando voltei a cabeça à superfície, vi Wes se inclinando assustado para frente, querendo me ver. Falei para ele:

– Aguarde alguns minutos.

E imergi de novo. Lá embaixo, minha transformação recomeçou. Agora que estava acostumada a ela foi menos doloroso, e logo eu tinha outra vez uma cauda no lugar das pernas. Voltei à superfície.

– O que é que está acontecendo aqui, Agnes? – ele perguntou preocupado.

– Eu não sou humana, Wes. Quer dizer, por enquanto sou metade humana apenas, mas em breve serei uma criatura por inteiro.

– O que isso quer dizer? – Seus olhos assustados se espremiam para mim, tentando ver direito no escuro.

– Quer dizer que não podemos ficar juntos. Meu destino foi escrito e eu pertenço ao mar. Não há nada que você, ou ninguém, possa fazer. Sinto muito.

– Do que é que está falando, Agnes? – ele ainda não entendia.

Então movi a ponta da cauda para cima, lançando espirros que o atingiram. Wes cambaleou para trás, apavorado.

O que demônios...?!

Para provar que aquela cauda me pertencia mesmo, mergulhei de forma que ele me visse saindo e entrando na água, e assim que percebeu que meu traseiro estava coberto por uma camada de escamas, soltou um grito.

– Agnes!

Botei a cabeça para fora da água outra vez, e cheguei o mais perto possível da plataforma.

– Você deve ir embora, Wes, viver sua vida. Você está livre.

– Não quero ficar livre! – ele relutou com os sentimentos. – Posso arrumar uma solução mágica para isso...

– Não, você não pode – fui firme. Como ele era persistente! – Eu sei que não existe solução, também não quero, estou satisfeita assim. Sou muito mais feliz aqui no mar do que em terra com você. Isso nunca ia funcionar, Wes. Me desculpe, eu deveria ter contado antes, mas agora o liberto e abro mão do nosso amor. Por favor, não me procure nunca mais. Preciso ficar junto dos meus iguais.

Wes balançava a cabeça, incapaz de acreditar. Lágrimas desciam de seus olhos. Eu tinha sido dura, mas só assim poderia fazê-lo acreditar que com aquilo não poderia lidar.

Não fiquei mais tempo para lhe dar esperanças. Nadei para longe e deixei-o lá. Uma parte de mim, contudo, sofria por não saber se eu tinha conseguido quebrar o efeito da poção ou se tinha apenas feito tudo pior.

O Lado Escuro do MarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora