Capítulo 7: Olhos castanhos-gelados

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Antes de voltar para a casa na capital, Miguel convidou a filha para um café, para que pudessem conversar e, mesmo que um pouco a contragosto, a menina aceitou. Era uma tarde bonita de domingo, com o clima preferido de Luna: frio, mas não insuportável, com o sol aquecendo o ambiente. 

A conversa em si que não foi tão agradável, diria Luna depois. Enquanto pedalava, o mais rápido que suas pernas aguentavam, em direção ao R&L Coffee, a menina se amaldiçoava, lembrando da conversa, por acreditar que seria uma boa ideia aceitar o convite do pai, apesar dos instintos magoados que tinham vindo à tona na última conversa entre os dois.

Assim como quando fez o comentário de que, "ela poderia estar magoada, mas ainda precisava respeitar o pai", Miguel agiu como se estivesse fazendo o melhor que poderia, e não o mínimo como alguém que tem um filho. Ou, no caso dele, dois. Perguntou da escola, da faculdade, a repreendeu quando a menina disse que pensava em esperar um tempo ou, então, mudar-se para outro estado (o que era a decisão já tomada).

— Você é só uma menina, Luna. Como pode saber o que é melhor para a sua vida aos dezesseis anos?

Luna, a racional Luna, sabia que ele tinha um ponto, mas odiou o tom que foi utilizado para fazer o comentário. Como se fosse o maior detentor da verdade, como se soubesse todas as discussões realizadas para que ela e a mãe chegassem em um acordo. 

  — E, me diz uma coisa, pai, quem sabe o que é melhor para a minha vida? Você?

Miguel respirou fundo, e começou a falar como se estivesse explicando uma coisa muito simples para uma criança, que se recusava a compreender.

  — Sei que você ficou magoada quando eu e sua mãe nos separamos. Mas você tem que entender, filha, que o nosso relacionamento não se baseava em você e no Sam. Pode parecer complicado para você, mas filhos não mantêm um casamento.

Luna puxou o ar lentamente, mentalizando paz, paciência, café e qualquer coisa que não a fizesse explodir de raiva.

— Você está errado sobre isso. E, pai, sabe por que não sabe disso? Porque você não se deu ao trabalho de me procurar para saber como eu me sentia depois do primeiro ano da separação. Você era o meu melhor amigo do mundo todo, a pessoa que mais me entendia, mas hoje vejo o quão equivocada eu estava. Porque se fosse verdade, você não falaria tanta besteira toda vez que conversamos. O que me magoou não foi a separação de vocês, acredite, eu via o quanto estava dando errado o casamento. O que me machucou e, acredite se quiser, ainda machuca, é a sua ausência na minha vida, nas minhas coisas. 

Lutou para conter as lágrimas, engolindo em seco, sentindo um bolo se formar na garganta. Miguel parecia abalado com as palavras da menina, mas mantinha a pose.

  — A única coisa que posso fazer é te pedir desculpas, certo? Você guarda tanta mágoa, para uma pessoa tão jovem.

Ela riu com escárnio, não acreditando no que estava ouvindo.

— Achei que você queria conversar comigo, saber sobre o que estou sentindo, mas vejo que essa foi só mais uma tentativa de manter a farsa de que as coisas continuam como eram. Mas aqui vai a má notícia, papai: as coisas nunca mais serão como antes. Não sou mais a menina de oito anos que achava que você era perfeito, e não tente se enganar, Samuel também não vê isso. Não quero isso, também, nem meu irmão. A única coisa que queríamos era um pai que estivesse presente, que se fizesse presente. 

— Quero que você saiba que, qualquer coisa que precisarem, podem contar comigo.

Luna assentiu, cansada.

— Aham. Preciso ir, tenho que trabalhar.

— Certeza? Ficamos tão pouco tempo aqui...

Ela não podia acreditar na capacidade de fingimento do homem.

Cartas, Cafés e Cicatrizes [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora