Capítulo II - Episódio 10

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Anita havia recebido a mensagem de Derris logo após o meio-dia. Realizou uma ronda matinal com um pelotão pelo Distrito Operário com o objetivo de expulsar alguns moradores de rua, mandando-os para a favela.

Para a Grande Vala.

Como eu odeio esse nome!

Anita não carregava lembranças de viver naquele lugar, mas estava no passado. Estava no sangue.

Se tinha uma coisa que Anita prezava, era ordem.

A desordem e o caos já tinham lhe custado caro. Uma mãe, um pai aleijado e marcas pelo seu corpo. Ter marcas lhe dava prazer. Mostravam força. Se alguém tivesse que gostar dela, deveria ser assim, como ela é.

Entretanto, nisso tudo havia um conflito. Ao mesmo tempo em que sentia orgulho de seu povo, dos Terras-Ruins, sentia também ódio por aqueles que incitaram a rebelião. E eles também eram sangue do seu sangue.

Desde então a ordem do comandante da guarda tinha sido direta: manter todo vagabundo na Vala.

Agora com a mensagem de Derris na mão, o pensamento era outro. Esqueceu toda a mágoa e todas as cicatrizes. Deixou o capacete, o florete e a besta no posto de guarda e seguiu, ainda vestindo a roupa da guarda.

Saiu de seu turno direto para a casa de Derris. Caminhou até o portão dos fundos, mas, nesse dia, ele estava fechado.

Que raios!

Então se obrigou a entrar pela porta da frente.

Bateu à porta e foi atendida pela governanta da casa. Ela a olhou com desdém e gritou.

— Senhora Margareth, a polícia está aqui! — Ela a olhou de cima a baixo e se espantou. — Anita! Desculpe, entre.

Anita entrou, mas, antes que pudesse perguntar sobre Derris, Margareth apareceu.

— Anita — disse, também se espantando. — Espero que não esteja aqui para prender alguém.

O susto das duas fez Anita rir.

— Não, só quero falar com Derris.

— Acho que ele está no quarto dele. Digo, no oficial. Não o vi descer.

As duas deixaram Anita ali, afinal, ela era de casa e seguiria sozinha até o quarto de Derris.

Atravessou o grande salão e não deixou de se impressionar com o lugar. Raramente ia ali e agora tinha entrado nele três vezes em menos de um ciclo solar.

Quando chegou no corredor que dava acesso aos quartos, ouviu um som que não ouvia havia mais de dez anos. Um alaúde estava tocando e alguém parecia estar cantando.


Óh, Vazia Costa que já fora tela em branco,

de acidez infértil hoje tens um pôr de sol franco,

e os quadros ainda se pintam e as tintas escorrem frescas,


Na porta do quarto, que estava entreaberta, pôde ver Derris, sentado em sua cama dedilhando o alaúde. Aquela canção era conhecida. Anita não gostava muito dela, mas não podia deixar de admirar a quão famosa ela era: A Canção da Costa.


Ao Sul, os reinos e as montanhas sopram aventuras e riquezas,

No Norte, o Imperador Sol brilha entre as montanhas em seu forte,

Em Costa Vazia, a ordem e a magia se dedicam às respostas e façanhas,

A saga dos filhos de Ethlon I - Porto das PedrasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora