— Não vai servir, né, mãe! Eu tinha dez anos de idade!

Ela ri, mas insiste e acaba encontrando a maldita roupa no fundo do guarda-roupa. É com um frio na barriga que lembro que a "túnica" não era costurada na lateral do tronco, só encaixada por cima da cabeça, por sobre o ombro, e ajustada com um lenço na cintura. É um pano, na verdade, que me cobre até o quadril, mas que na época passava pelo meu joelho, quase até os pés, numa espécie de vestido masculino (se é que isso existe).

Não acredito que saio de casa com o pano por cima do meu uniforme e da calça de moletom, um lenço na cabeça e outro amarrado na cintura. Justo no dia que mais rezo pro meu tio e o Carlos aparecerem com carona, é óbvio que eles não vem e tenho que pegar ônibus.

Passo a viagem inteira me sentindo o centro das atenções. Não gosto dos olhares, não gosto dos julgamentos silenciosos, mas engulo o desconforto e espero as uma hora e meia passar pela janela do transporte público. É óbvio que pelo menos tiro o lenço da cabeça antes de desembarcar, já nos costumeiros três pontos antes de chegar ao colégio, para ninguém me ver.

Passei a semana toda praticamente fugindo do Renan — desliguei meu celular, não entrei na internet em nenhum dos dias, fiquei enclausurado na biblioteca e na minha sala de aula, que ele não ousou entrar mesmo tendo ouvido sua voz nos corredores e na porta. Mas, quando desço no ponto de ônibus da pracinha, é com ele que dou de cara. Literalmente, porque a porta se abre de frente à sua figura estática, escorada na placa do ponto.

Renan me olha dos pés à cabeça.

— Eu não acredito no que tô vendo...

Não estou preparado para a zoação que se segue, mas isso faz minha guarda abaixar. Ele ri descaradamente da minha roupa, apesar de estar usando uma parecida, só que bem mais luxuosa, por assim dizer: sua túnica é de cor vinho, tem uns detalhes em dourado e é acinturada. Ele usa mocassins e uma calça branca por debaixo. Seu tom de pele moreno combina perfeitamente com a vestimenta e eu até duvidaria que ele não é mesmo indiano se não o conhecesse.

— Meu Deus do céu, você tá ridículo com essa roupa! — Renan ri à todo pulmão e eu reviro os olhos.

— E você acha que tá como, com a sua??

Seu sorriso se enverga de lado e uma sobrancelha sobe:

— Eu estou é muito gostoso, obrigado. — nós nos encaramos e eu não consigo evitar gargalhar em seguida. — Anda, coloca isso na cabeça, quero ver a produção completa!

Caminhamos para a escola conversando sobre as vestimentas do pessoal, sobre essas ideias das Sextas D, assuntos triviais. No portão, encontramos o resto do time de futebol sentado na escada. Como os novatos que meu primo arrumou são do primeiro ano, nem eles nem os antigos reservas, agora do segundo ano, estão fantasiados nem nada. Um dos meninos se chama Ítalo, é o lateral que diz ter feito testes para um time profissional e tal. Ele está sempre na cola do Carlos, parece uma sombra, e não é surpresa que esteja sentado ao seu lado no degrau. Há outros três garotos mais novos, mas só um deles se destaca mais também, o substituto do Joel que o Renan gosta de provocar com os chutes a gol: João Pedro. Ele se encontra de pé, mãos no bolso da calça jeans e olhar atento às piadinhas, mas desligado do resto.

Caíque e Felipe estão vestidos com uma espécie de burca, que em nada tem a ver com a roupa dos outros, mas chamam a devida atenção e provocam as gargalhadas que querem. Meu primo está com uma roupa ainda mais chique que a do Renan — acredito até que foi alugada pra isso.

As meninas estão com conjuntos de saia e top cheios de pedras e correntinhas de ouro, barrigas de fora, colares, pulseiras, aquela coisa esquisita no meio da testa... Totalmente no clima.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora