O conto dos dois irmãos 3

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Pai... Pai... Jirou tentou pensar, mas sua mente não conseguia formar um pensamento.

Ele virou-se para o servo, abrindo e fechando a boca, tentando achar palavras.

— Como... por que... — O samurai não conseguia formar uma pergunta, sua voz perdeu-se na garganta.

— Seu pai, Daigorou-sama... desobedeceu uma ordem direta... do Senhor... — O homem não encontrou os olhos do samurai. Tudo que fez foi encarar o chão, de cabeça baixa o tempo todo, o punho tremendo.

Jirou parou de respirar e as rédeas escorregaram pelos seus dedos. Ainda que não conseguisse pensar, havia algo que o samurai sabia; precisava descobrir a história toda. Ele precisava ver seu pai.

Pai... Esquecera tudo. Esquecera que deveria informar ao Senhor sobre sua missão. Esquecera de todos os soldados atrás dele. Só conseguia pensar no pai.

— Onde ele está? — Jirou finalmente conseguiu perguntar ao servo.

Depois que o homem trêmulo informou, Jirou desmontou do cavalo. Ele foi até onde seu pai estava, mas os guardas não o deixaram passar, bloqueando seu caminho com suas lanças.

O samurai piscou, vagamente notando as armas e as pessoas impedindo-o. Quando percebeu o que acontecia, olhou para cada soldado, os olhos ficando mais vazios.

— Posso matar vocês quatro antes de sequer pensarem em me atacar — sussurrou com a voz fria.

Os guardas trocaram olhares entre si, hesitando sob aquelas palavras. Ainda que fosse jovem, a habilidade do samurai era famosa na fortaleza. Os soldados sabiam que a ameaça não era vã. Porém, ainda continuaram firmes e não o deixaram passar.

— Recomendaria que não tentasse — disse uma voz grave do outro lado da porta. No instante seguinte, a porta de madeira abriu-se e um homem grande caminhou até o samurai.

O imenso conselheiro do Senhor ficou perante Jirou, olhando-o de cima. O samurai recuou sob aqueles olhos penetrantes que pareciam olhar nas profundezas da mente de alguém. Fora assim por toda sua vida.

Mesmo assim, o samurai manteve o olhar, sem piscar nenhuma vez. Jirou certificou-se de manter a mão longe do punho da espada, mas seus dedos tremiam por causa do esforço.

O conselheiro notou isso e fechou os olhos, respirando fundo.

— Isso não ajudará. Só trará mais vergonha a seu pai no fim de sua vida — disse com a voz pesada.

Jirou arregalou os olhos. Eram as únicas palavras que o fariam parar para pensar nas consequências de suas ações. Ele... tem razão... Isso não ajudará meu pai... O samurai fechou os olhos, pressionou os lábios e engoliu sua raiva. Quando abriu-os de novo, conseguiu controlar o tom de voz.

— Você está certo, Muneakira-sama — disse, abaixando a cabeça para o guerreiro mais velho. — Sendo assim, poderia explicar a situação. Por que meu pai foi preso por traição?

O conselheiro demorou a responder.

— Seu pai desobedece uma ordem direta do Senhor — disse, com a voz indicando que não havia necessidade de mais explicações.

Mas havia algo a mais. O samurai sentiu.

— Qual foi a ordem que meu pai desobedeceu?

O conselheiro encarou aqueles olhos e respirou fundo. Então fechou os seus olhos.

— Daigorou tinha ordens claras para não atacar as tropas inimigas. Mas, ao perceber que eles destruiriam um vilarejo no caminho, ele iniciou combate contra o inimigo.

O samurai não acreditava no que ouvia.

— Como salvar um vilarejo, salvar vidas, pode ser considerado traição?

— Graças a ação do seu pai, o inimigo descobriu os planos do Senhor. As tropas principais mudaram a rota e perdemos muitos guerreiros no campo.

— Mas...

— Seu pai cometerá seppuku amanhã cedo — interrompeu Muneakira-sama antes que o jovem samurai pudesse terminar sua frase.

As palavras ecoaram por um bom tempo na mente de Jirou. Enquanto entendia a realidade daquela simples palavra, o mundo morreu para ele. Não havia som, calor, cor, nada.

Seppuku... meu pai... para manter sua honra... irá tirar a própria vida...

O mundo não somente morrera; também quebrara.

O homem que o samurai mais admirava. Ainda que não fosse o mais forte, seu pai era alguém que sempre acreditava em fazer o certo. Quem acreditava em honra e lealdade acima da glória. Alguém que jamais abaixaria a espada se pudesse salvar uma vida. Mesmo que fosse de apenas um camponês, ele ergueria a espada.

E essehomem iria tirar a própria vida.    

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