Capítulo Único

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Gosto de carnaval desde pequena. Ia nos bloquinhos toda emperiquitada nas fantasias que minha mãe escolhia, dançava até não aguentar mais e catava confetes do chão pra jogar pra cima de novo. Quando adolescente, passei por uma fase de achar carnaval brega enquanto vangloriava culturas estrangeiras. Vergonhoso, mas por sorte foi só uma fase mesmo. Agora, faço todo o possível para aproveitar a semana com os amigos da melhor maneira possível. Mas vou ter que riscar a "edição 2018" da lista de planejamento. Vou passar esse feriado trabalhando.

Tenho vontade de rolar os olhos só de pensar nisso. É a primeira terça-feira de carnaval na qual eu não tenho vontade de saltar da cama e já colocar uma playlist animada para tocar. Pego o celular e começo a rolar na cama enquanto vejo as mensagens dos meus amigos, já animados com as comemorações que planejaram. Se tudo der certo, posso pelo menos encontrar eles à noite para encher a cara. Esfrego os olhos e então vejo a outra mensagem não lida que tenho, e aí sim, sento na cama num único pulo.

Localização confirmada: Rua Olímpio Geruksi, 630. Esteja lá às 16h.

Não sou a pessoa mais bem localizada do mundo, mas essa rua eu conheço bem: é a rua do bloco Alto Astral Absoluto, ou Triplo A, o que eu vou em todos os carnavais. Me levanto e vou até o banheiro lavar o rosto, tentando absorver a informação. É só ao abrir a porta do guarda-roupa que percebo: preciso me misturar à multidão. Ou seja, precisarei de uma fantasia. Relutante, alcanço a que tinha planejado usar no dia seguinte e seguro o cabide à minha frente, apreciando o collant holográfico, a saia de tule azul e a tiarinha com um chifre de arco-íris no centro. Respiro fundo para tentar manter a calma, mas diante dessa situação, fica difícil.

Merda. Eu vou ter que matar um cara vestida de unicórnio.

Para acomodar minha arma e faca, preciso adicionar ao look uma jaqueta de couro cor de rosa e uma bota roxa. Ótimo, é hoje que eu morro de calor. Mas se vou entrar no personagem, vou fazer isso em grande estilo. Para isso o pote de glitter branco que comprei na loja de artesanatos semana passada.

Como ainda tenho um tempo livre antes de ter de sair, olho a foto do alvo mais uma vez. Mas já decorei todos os traços do rosto do babaca que roubou da minha chefe. Tomás Henrique Dias era um dos diretores da empresa concorrente de serviços particulares de exportação e importação, e tentou sabotar a Serrada & Coster, empresa onde trabalho, roubando parte do registro de clientes e botando fogo num dos caminhões com encomendas. A empresa conseguiu se levantar novamente, mas Paola Serrada não sossegou até encontrar o responsável pelo crime.

Meu plano inicial de carreira era ser policial. Não passei no teste psicológico e nunca tive paciência para tentar novamente em algo que falhei, então desisti depois da primeira tentativa. É uma pena, porque eu teria tirado o teste físico de letra, mas aparentemente meus ideais beiravam a psicopatia. Entendo porque não poderia estar uniformizada nas ruas ajudando a população da minha cidade, mas da maneira que vejo, também estou tirando os caras ruins de circulação. Só que com um uniforme um pouquinho diferente.

Consegui um emprego na área de despache da Serrada & Coster, e sem eu saber, aquilo na verdade era um teste para ver as minhas habilidades de força e agilidade. Paola me chamou em seu escritório três meses depois e me contou uma história que me fez prometer não contar a mais ninguém. O resumo da ópera é que a empresa lida com algumas exportações ilegais, e isso cria situações perigosas e inimigos importantes. Passei a integrar o time de segurança especializada, finalmente pondo em prática meus conhecimentos em combates corpo a corpo e uso de armas. Já sofremos várias tentativas de roubo e até de coisas mais sérias por causa das partes envolvidas numa certa encomenda. E essa tem sido minha vida durante os últimos cinco anos; às vezes você está carregando uma caixa cheia de hand spinners vindo de Taiwan, às vezes você está enforcando com seu cinto um cara que tentou invadir a empresa às três da manhã.

Unicórnios, samba e babacasWhere stories live. Discover now