O Inventor de Notícias

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Você acredita em tudo que lê?

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Você acredita em tudo que lê?

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Eu invento notícias. Manipulo informações, de maneira que as pessoas acreditem, cliquem e compartilhem, independente da veracidade dos fatos.

Essa é a minha profissão.

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Quando era adolescente eu tinha um blog sobre videogames, onde postava novidades e impressões sobre jogos que jogava. Era um passatempo, mais útil para treinar HTML que qualquer outra coisa. Um dia me deparei com um rumor sobre um jogo que ia deixar de ser exclusivo da Nintendo. Escrevi um artigo rápido e postei no blog. Havia uma discussão sobre o assunto no tópico de um fórum brasileiro, mas eu fui o primeiro a postar o rumor na forma de notícia em português.

Aquele foi o artigo com mais cliques de todos os que eu tinha postado até então. Outros sites nacionais usaram meu artigo como origem do conteúdo — mesmo eu tendo adicionando um link para a discussão no fórum como a fonte inicial do rumor — e cada vez que esses sites faziam isso eu via o meu tráfego crescer. Os visitantes começaram a usar a sessão de comentários do meu blog, que até então estava às moscas. Alguns acreditavam no rumor, outros não.

Só fui atentar ao estado da página no dia seguinte: mais de trezentos comentários, e diversos sites linkando de volta para o meu. Mas quando verifiquei o post original no fórum, ele estava diferente. Um moderador tinha confirmado que o rumor era mentira e tinha banido o membro responsável por inventá-lo. Eu me senti péssimo. Editei o artigo que tinha escrito para explicar o ocorrido e fiz um novo post com uma errata.

O post com a errata não chegou nem a 3% da quantidade de visitas do post com o rumor. O post original, editado com a correção, também não recebeu muita atenção. O tráfego do meu blog caiu para os números normais, só com visitas de gente da minha escola.

Eu estava envergonhado. Mas, ao mesmo tempo, sentia uma excitação confusa. Por algumas horas, meu blog tinha sido tão famoso quanto os sites de notícias mais prestigiados. E depois que o rumor tinha sido provado como falso, ninguém parecia se importar — todo mundo já tinha direcionado a atenção para as notícias do dia seguinte. Isso significava que a minha reputação também estava ilesa. Afinal, eu tinha postado como "rumor", termo que por definição carrega certa opacidade.

Foi então que notei que a minha vergonha era pelo fato de eu ter acreditado no rumor, não por ter postado ele. Procurei refazer a sequência na minha cabeça. Concluí que se desde o princípio soubesse que aquele artigo chamaria tanta atenção, eu talvez tivesse postado mesmo sabendo que era completa fabricação de um desocupado. Não houveram consequências negativas para mim. Então por que não?

Depois de um mês o episódio continuava na minha cabeça. Comecei a observar outros artigos sem confirmação em outros sites. Em qualquer site que fosse, as notícias picantes e sem fundamento sempre deixavam as normais no chinelo no que dizia respeito às visitas e cliques. E mais: quase nenhum dos sites fazia errata. Em alguns casos, a notícia era deletada como se nunca tivesse sido postada, principalmente nos sites que ganhavam dinheiro com propaganda. Ou seja, eles mantinham sua integridade intacta ao mesmo tempo que conseguiam alguns cliques rápidos para ganhar mais dinheiro.

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