(Lauren)
Quando eu era pequena, meus pais costumavam viajar todo Natal para a casa do tio Fred em New York City antes dele morrer de uma forma inusitada: sufocado com um caroço de azeitona na garganta. Lembro de quase não conter minha ansiedade de criança espoleta, tagarelava toda a semana sobre a neve e os lagos congelados que gostaria de patinar — algo que nunca realmente cheguei a fazer. A viagem era longa e cansativa devido ao fato de mamãe ter medo de altura e sermos obrigados a viajar de carro; acho que aquele sempre foi meu momento preferido. Não havia nada melhor que ouvir meus pais cantarolarem alguma música country no banco da frente com o rádio ligado enquanto Taylor balbuciava algumas palavras na cadeirinha e eu desenhava todo o tipo de paisagem que encontrava, sempre atenta nos detalhes da vista pela janela do carro, mas também sem nunca perder a atenção da alegria que minha família transbordava. Não houve um minuto sequer que eu tenha pegado no sono, eu queria sempre estar acordada para acompanhar cada segundo da nossa viagem, memorizando nossos momentos de felicidade, guardando no meu coração a euforia de uma criança prestes a brincar na neve branquinha que sempre via nos filmes. As vezes me pego pensando nesses dias e me pergunto em que momento as coisas mudaram, se foi mesmo a morte do tio Fred que impediu que meus pais viajassem outra vez ou a minha condição, quando meu tempo livre passou a ser gasto com hospitais caros e psicólogos. Sei que a casa chegou a ser hipotecada quando as despesas com remédios e profissionais especializados aumentou, por mais que tentem esconder de mim e fingir que tudo está bem, não sou boba; eu já havia encontrado pilhas de contas em atraso que eles insistiam em esconder de mim. Na minha frente, eles sempre estavam sorrindo e brincando, mas sei o quanto trabalhavam dobrado para manter as despesas de casa e as minhas em particular. É por esse motivo que meus pais sempre seriam meus heróis, as pessoas que eu sempre faria tudo para ajudar, nem que fosse preciso abandonar os estudos.
O meu ponto é que: quando crianças, passamos tanto tempo imaginando como será nossa vida adulta, que muitas vezes podemos nos decepcionar com o resultado. Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria a viajar com meus pais e a brincar no parquinho com Camila, em uma época onde ninguém nos importunava. Observar a vista pela janela do carro costumava ser muito melhor que observar a ruína de alguém que amo, como minha família endividada e Camila que se afundava cada dia mais em um abismo desconhecido.
Ser criança é mais fácil.
— Você contou à ela? — perguntou Alycia, me cutucando com o graveto que usava para assar o marshmallow na fogueira.
Estávamos na praia de North Beach ao pôr do sol para uma pequena reunião entre amigas. Dinah foi quem deu a ideia com a justificativa de que sentia falta da praia de Miami e que gostaria de passar um pouco mais de tempo conosco fora da escola. Eu, obviamente arrastei Alycia, e, para a minha surpresa, Dinah conseguiu tirar Camila de casa — suponho que sob persuasão ou ameaças. Camila, no entanto, não estava sentada em nossa pequena roda em volta da fogueira assando os pequenos marshmallows, meus olhos fascinados nunca abandonavam sua silhueta enquanto ela molhava os pés descalços no mar. A praia estava vazia como de costume em dias de semana, e eu poderia dizer que o céu alaranjado no horizonte criava o contraste perfeito para a figura de Camila que usava um vestido branco até o meio das coxas. Tão pequena diante a imensidão do mar, mas se comparado aos sentimentos que a sufocavam, o oceano se tornaria um pequeno riacho.
É claro que Dinah e Alycia acabaram notando minha atenção voltada unicamente para a garota solitária à beira mar quando o assunto entre elas — seja ele qual fosse — terminou.
Cruzei minhas pernas contra o peito e as abracei sem nunca desviar o olhar do meu pequeno fascínio.
— Vou contar, eventualmente.
— Eventualmente? — Dinah protestou. — É algo importante pra você, não vejo o porquê de esconder logo dela. Pensei que vocês contassem tudo uma para a outra.

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Uncover
Romance"Minha inocência permitira naquele momento que eu ficasse petrificada por breves segundos, admirando as pedras preciosas que Lauren carregava em seus olhos. Foi o primeiro contato de nossos olhos, mas a pequena garota desastrada dentro de mim teve a...