Como encontrar um Amor em sessenta dias

Tem um caroço no meu angu

"talvez você precise de uma nova lição. Repita depois de mim: Hakuna Matata"
(Rei leão)

31 de outubro de 2017

Por algum motivo a letra de uma música gospel não sai da minha cabeça. É uma música que a vovó costumava escutar no último volume: Posso até chorar, mas a alegria vem de manhã. É uma música mentirosa, penso. A náusea e a confusão mental de ontem eram muito melhores do que a ressaca que me saudou assim que abri os olhos.

Solto mais um jato de vômito, curvando-me sobre o vaso sanitário e sentindo o peito doer.

- Melhor? - Murilo pergunta com um tom de deboche, ainda segurando meu cabelo tingido de verde para o alto.

- Sim. Acho que acabei. - murmuro, rezando pra ser verdade. Se eu tiver que vomitar mais uma vez, provavelmente botarei meus pulmões pra fora.

Ele solta meu cabelo, mas não deixa o banheiro. Enquanto faço um coque alto e procuro por minha escova de dentes, sinto seu olhar ainda sobre mim.

- Você vai me dizer o porquê do seu namorado ter chegado em mim ontem e me dito que você precisava de mim e estava implorando pra eu voltar pra casa?

Nesse momento, agradeço mentalmente por estar com a boca cheia de creme dental. Assim terei algum tempo para pensar na minha resposta.

Não tenho resposta.

Cuspo na pia e só então o encaro, tentando lhe lançar um olhar muito inocente:

- O Igor não é meu namorado.

- E isso ainda não responde minha pergunta.

- Dá um tempo, Murilo. Eu tava bêbada. Não lembro nem o que eu disse, muito menos o porquê que eu disse. Só... Me desesperei. Tinha um garoto sangrando pelo pescoço. Sério, muito sangue saindo de uma ferida aberta. Horrível!

- Era uma festa de Halloween. É claro que tinha sangue, de mentirinha. Agora a Sandy não atende minhas ligações. Ela está puta porque eu deixei ela no rolê dela com os amigos dela que eu disse que estava louco pra conhecer.

- Murilo, assim, só um toque: PARA DE CHAMAR A SANDRA ASSIM! É vergonhoso. Parece aqueles velhos que falam Zapzap ao invés de whatsapp.

- Ah, vai pro inferno!

Enxaguo o rosto.

Ele ainda está ali. Não quer sair da minha cola.

- Que é? - cruzo os braços, arqueando a sobrancelha.

- Você sabe que no caso do Igor forçar a barra e querer, sabe, transar com você ou fazer qualquer outra coisa é só dizer "não", né? É mais honesto e muito mais simples do que fazer showzinho e atrapalhar a minha vida sexual só pra não dar o braço a torcer com essa ideia maluca de sua eu do futuro.

- Se você não transa, não destranse os transantes. - repito o mantra - É, eu sei. Mas obrigada, de qualquer forma, por ser um bom amigo e não ter me deixado sozinha e bêbada na sarjeta.