6 | Feridas Familiares

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"As pessoas podem levar tudo de você/ mas eles não podem levar a sua verdade/ a questão é/ você pode lidar com a minha?" (Britney Spears – My Prerogative)

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A viagem de poucas horas foi muito cansativa, meus pensamentos não pararam nem por um minuto, mesmo tomando remédio para dormir. Eu não era aquele tipo de pessoa familiar, sempre fui mais quieto e gostava de ficar sozinho, tranquilo. Família é sempre um assunto complicado e a minha mãe gostava muito de exibir sua tradicional obra-prima doméstica: o papai, a mamãe e os dois filhinhos. Imaginem o colapso causado quando eu quis entrar para o teatro e cinema, me tornei a ovelha negra da família. Para não quebrar o ciclo da rejeição, eu estava indo os visitar para, dessa vez, me tornar a ovelha colorida.

Durante o voo eu pensei exaustivamente em todas as cenas possíveis, que iam de lágrimas até tapas na cara. Meu estômago embrulhava de cinco em cinco segundos, me trazendo aquele velho e conhecido bolo na garganta, aquela sensação de que vou morrer entupido com os meus próprios sentimentos. Depois de vários momentos pesados que eu tinha passado, minhas emoções se afloraram e tinha me tornado uma pessoa muito mais emotiva e sentimental, mas achava isso ótimo, eu estava adorando o novo Ben.

O táxi me conduzia pelas ruas de Seattle e eu fiquei abismado com as mudanças enquanto estive fora. Geralmente, eram meus pais que me visitavam em Los Angeles, eu não colocava os pés naquela cidade há uns quatro anos. Olhando as árvores passando, decidi que não queria mais tentar adivinhar o futuro, não tinha como eu saber qual seria a reação dos meus pais e nem a minha diante deles.

— Tio Benny! — Minha sobrinha, Kara, deu um sorriso enorme ao abrir a porta para mim. Ela atravessou o portal de madeira e abraçou minhas pernas, que era onde ela conseguia alcançar com seus quatro anos.

— Hey, minha fadinha, como você está? — A levantei com meus braços e lhe dei um beijo na testa. Só consegui perceber que sentia tanta saudade ao vê-la ali, na minha frente.

— Ah... Ben... — meu momento feliz foi interrompido pela cara de decepção que Susan, minha mãe, exibiu ao sair pela porta de entrada. Dirigiu-se à Kara e disse — querida, vá para dentro brincar com as suas bonecas, seu tio já está de saída.

— Quê? Não... eu vim aqui ver vocês, não vai me deixar entrar? — Perguntei com a voz firme, contudo, eu já sentia a tristeza me invadindo.

— Você quer aparecer aqui, entrar como um bom filho, fingir que está tudo bem, mesmo o mundo inteiro já ter visto você beijando aquele... você sabe! — O desprezo em sua voz me alvejava.

— Foi um erro vir aqui — o sentimento de tristeza tinha se tornado raiva, eu nem queria mais olhar para o rosto dela. Me virei, enfurecido, e fui andando em direção a lugar nenhum, só queria sair dali.

Por que ela tinha que ser tão dura comigo? O que eu fiz para ela me tratar daquele jeito? Algo esmagava minhas vísceras, apertava meu coração, eu queria Henry ali do meu lado. Ouvi a porta atrás de mim se bater e senti que não havia mais volta, aquela senhora magra e sisuda nunca mais iria falar comigo novamente. Fazia alguns dias que eu já não me sentia confuso, mas aquela cena me fez começar a pensar se eu também queria ver a minha mãe de novo ou fingir que ela não existia e tentar ser feliz.

Lembranças cruéis passavam como um filme. Eu ainda era criança, pequena demais para aprender a usar os talheres corretamente e, mesmo assim, ela sempre batia com a colher na minha mão quando eu não conseguia pegar a faca. Ela tinha prazer em ver minha dor, sempre que estalava suas mãos no meu rosto quando eu falava alguma palavra errada. Sempre gritando, parece que nunca foi feliz em toda sua vida, amargurada, maldizia e praguejava até os empregados da casa.

Ben & Henry [FINALIZADO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora