(Camila)
Estava ainda há pouco no metrô brincando com o cadarço do meu tênis enquanto lia algumas das pichações no meu vagão quando meus pensamentos aleatórios rapidamente se tornaram reflexões assim que rolei os olhos pelas pessoas ao meu redor. Reflexões sobre o destino escrito que cada um de nós tem. Algumas dezenas de pessoas embarcam no metrô e tornam-se passageiros, assim como eu, e, por alguns minutos ou horas, nós temos nossos destinos compartilhados. Se o metrô seguir ao Sul, todos teremos nossos destinos guiados ao Sul. Por esse tempo, somos parte de uma bolha do destino que cruza nossas diferentes vidas. Novas amizades podem ser criadas, olhares são trocados, e quem sabe um coração pode acelerar? Outros dormem vencidos pelo cansaço de um longo dia de trabalho e alguns apenas observam a paisagem perdidos em sua própria mente. Então o metrô chega ao seu destino final, e os passageiros descem tomando de volta seus destinos não compartilhados, e deixam apenas dúvidas para trás: Quantas dessas pessoas são realmente boas? Algum deles perseguiu Natalie na internet? Quem é feliz e quem não é?
Traguei o cigarro entre meus dedos e equilibrei meu corpo no aço laminado — e àquela altura enferrujado — do carril abandonado. Quando eu havia começado a fumar? Não fazia a mínima ideia, mas era assim que vinha empurrando minha vida nos últimos dias. A garota perfeita de dia, e os restos do que costumava ser eu a noite. Quase uma analogia à Shrek, mas sem a parte do final feliz. Tudo ao meu redor tem estado mais próximo a uma das tragédias de Sheackspeare. Permito-me citar mentalmente Otelo: "Reputação é uma imposição tremendamente falsa e inútil, muitas vezes angariada sem mérito e perdida sem um real motivo." Traduzindo para os dias de hoje: Reputação é apenas uma ilusão de estar no topo do precipício quando na verdade você está caindo dele.
Um passo após o outro, equilibrei meu corpo sobre o trilho de trem com os olhos fechados e braços agora abertos, sentindo a brisa gelada bater contra meu rosto me alertando de que em breve amanheceria. Não foi difícil encontrar esse lugar, não quando você passa sua infância brincando de explorar locais desconhecidos com sua melhor amiga. Afastado da correria da cidade, esse talvez seja um dos únicos lugares em Miami cercado por árvores que o governo não tenha construído algum tipo de prédio ou comércio, e naquele momento eu era muito grata por isso, é sempre bom ter um lugar afastado da correria do mundo quando sua mente está prestes a explodir. Ou seria mais como entrar em erupção pelo acúmulo de pensamentos que tem me cercado desde a morte de Natalie. Às vezes sinto que estou pirando, e às vezes tenho certeza disso. Mas como dizer isso às pessoas sem ser julgada? Como explicar que a princesinha perfeita está em ruínas por dentro sem que me chamem de mimada? Eles não entendem. Ninguém entende. Merda! Como entender algo que nem mesmo eu entendo?
Traguei outra vez o cigarro; meus olhos, agora abertos, percorrem as estrelas espalhadas pelo céu escuro até encontrar a grande lua cheia.
— Eu gostaria de acreditar que você está realmente aí. — murmurei para o grande infinito que havia acima de mim. — E se está, me pergunto o porque de não ir muito com a minha cara. — torci o nariz com minha última sentença. Meus pais me obrigaram a aprender todos os tipos de orações quando pequena, talvez, quem sabe, na esperança de que eu fosse uma seguidora mais fiel do que eles realmente eram. — Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo... — Salmo 23 passou a ser o mais usado pela minha mãe quando as brigas com meu pai pioraram. Com o tempo, passei a me perguntar se não eram apenas palavras ao vento que nos instigavam a acreditar em um Deus Onipresente para mantermos nossa própria linha imaginária entre o bem e o mal.
Como se respondesse minha pergunta, um apito ecoou na escuridão da madrugada indicando que o trem de carga se aproximava. Eu deveria descer do trilho e afastar-me do perigo como uma pessoa sã. Mas, por quê? Minha mente tem estado tão perturbada nos últimos dias que tudo o que penso é sobre a morte, sobre o corpo de Natalie caindo como se flutuasse direto para uma cama de algodão, e não para o chão de cimento frio fazendo com que seu corpo...o que restou dele...deixei o cigarro cair e pisei na bituca apagando o mesmo, agora eu caminhava frente a frente ao som do trem em movimento que aos poucos se tornava mais nítido, tudo porque eu estava curiosa sobre a sensação de estar frente a frente com a morte, sobre como as pessoas reagiriam se ao amanhecer recebessem a notícia de que eu estava morta embaixo de um trem. Por que estou pensando nisso? Por que minha mente está uma bagunça e não consigo pensar direito? Por que acordo quase todas as noites sentindo meu peito apertado, uma horrível ânsia de vômito e falta de ar? O que diabos está acontecendo comigo? Por que estou aqui? Por que estou fazendo isso comigo mesma?
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Uncover
Romance"Minha inocência permitira naquele momento que eu ficasse petrificada por breves segundos, admirando as pedras preciosas que Lauren carregava em seus olhos. Foi o primeiro contato de nossos olhos, mas a pequena garota desastrada dentro de mim teve a...