Capítulo 3

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Hoje saí cedo de casa. Estou dentro do segundo ônibus e, mesmo sendo tão cedo, está com um pouco de trânsito.

Desde quando comecei a trabalhar, isso nunca havia acontecido. Espero que eu não chegue atrasada no trabalho.

Costumo ficar com apenas um dos lados do fone, no ouvido, pois gosto de ouvir o que se passa ao meu redor.

Escuto uns burburinhos dos passageiros comentando que algo aconteceu. Olho no relógio e vejo que falta pouco para o meu horário de entrada no trabalho.

Sem perceber, coloco o outro lado do fone no outro ouvido também. Coloco o Walkman dentro da bolsa e a penduro em meu ombro. Decido sair do ônibus e ir a pé.

Faltam uns três pontos para eu chegar no próximo ponto onde pego o último ônibus.

Quando chego próximo a uma faixa de trânsito, vejo que aconteceu um acidente, tem uma moça deitada no chão, com sangue escorrendo em sua testa e cabeça. Ela está com os olhos abertos e tem alguns profissionais da saúde prestando os primeiros socorros. Estou vendo tudo através de uma brecha que há entre algumas pessoas curiosas que estão aglomeradas, observando o ocorrido.

Sinto uma pancada muito forte e sou arremessada um pouco para longe de onde eu estava. Caio de olhos fechados.

Sinto muita dor, como se algumas partes do meu corpo tivessem sido quebradas. Estou muito tonta e com um pouco de enjoo, além das muitas dores em todo o meu corpo.

Não estou ouvindo nada, estou como se estivesse anestesiada.

Abro meus olhos lentamente, estão meio embaçados, vejo a figura fosca de um homem, não consigo enxergar exatamente quem é. Começo a ficar nervosa, não estou com medo, mas estou nervosa por ter perdido alguns dos meus sentidos.

Ouço alguém falar comigo, mas ainda não consigo enxergar direito. Ouço a voz trêmula, preocupada e ansiosa de Igor. Ele pergunta se eu estou bem.

Começo a sentir minha cabeça sobre o seu colo macio.

Não consigo responder, mas tento balançar a cabeça para indicar que sim. Tento me mexer e ele diz para eu ficar quieta e esperar um pouco.

Ouço Igor gritar pedindo ajuda e logo começo a enxergar pessoas em minha volta.

***

Estou na cama de um hospital, olhando para Igor que está sentado em uma poltrona ao meu lado.

Ele está com a cabeça virada de lado, com os olhos fechados, acho que deve estar dormindo.

Respiro fundo, fecho meus olhos e adormeço.

***

Faz alguns dias que ocorreu aquele acidente horrível.

Naquele dia, a moça que sofreu o acidente foi levada para o hospital, mas não conseguiu resistir.

Eu estava tão chocada e curiosa com o que estava vendo naquele momento, que atravessei a rua sem prestar atenção no farol que estava fechado para mim.

Assim que dei um segundo passo na rua, uma motocicleta bateu em mim e me arremessou para longe. Aquele dia, apesar do choque que tive e das consequências que o acidente me causou, eu não me senti sozinha, me senti protegida e segura, pois Igor estava comigo.

Passei uma semana hospitalizada.

Depois daquele momento, em que vi Igor dormindo ao meu lado, despertei e não o vi mais. E hoje estou aqui, sentada dentro do ônibus, indo para o trabalho e, não sei explicar, mas sinto a falta dele.

***

Tenho sequelas do acidente.

Quebrei duas costelas, o braço esquerdo, fraturei minha clavícula e tive um corte profundo em minha perna esquerda. E mesmo com tudo isso, ainda me sinto bem e confortada por não ter perdido a vida, apesar de ela não ser tão boa assim. Não tenho um bom convívio com papai e mamãe, e uma pessoa que apareceu na minha vida - a qual eu estava começando a gostar de vê-la, de conversar com ela, mesmo sendo de vez em quando - sumiu. A única coisa que continua boa para mim é o meu trabalho.

Assim que retornei ao trabalho, percebi que todos sentiram minha falta, recebi dezenas de abraços, carinho e amor, até das crianças de outras turminhas as quais não auxilio.

Fui bem recebida pelos professores e todos os profissionais da escola. Dona Dulce é um amor, uma senhora muito gentil e prestativa. Cuidou de mim, como ninguém, nesses últimos dias, pois ainda estou me recuperando do acidente. Na verdade, eu ainda não deveria ter saído do hospital, não estou totalmente recuperada.

***

O meu dia hoje foi cansativo. Várias vezes fui surpreendida com algumas crianças me tocando no braço, para eu despertar dos meus pensamentos. Ando pensando muito na minha vida e no Igor, e isso anda acontecendo constantemente durante o dia, quando olho para o céu, através da enorme janela da sala onde trabalho.

As únicas horas que consegui me concentrar no trabalho, foi na hora das atividades de corte e colagem, e quando o nariz de Sara, uma das alunas, a mais miudinha da sala, começou a sangrar. Nesse momento esqueci de tudo e fui ajudar a Sarinha.


O GAROTO DO GUARDA-CHUVAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora