Capítulo 1▶

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|Alexia Shelb-Cullen|

— Alex? – as cortinas do meu quarto foram abertas, e uma mão pousou sobre meus ombros tampados pelo edredom. — Alex, está na hora de levantar.

Lá vem a senhora Lidian afagar meus ombros. O quê eu preciso fazer pra ela me esquecer? Aperto meus olhos me esforçando o máximo que consigo para não ouvir sua voz me chamar mais três vezes, depois ela sussurra um "o quê há com você hoje, garota?". Ela me conhecia tão bem e sabia que eu não levantaria daquela cama. Minha cabeça estava explodindo, e eu estava irritada por não ter bebido praticamente nada e estar sentindo essa dor infernal. Toda musculatura do meu corpo dói, e meu cansado cérebro eu estava acordada. Tudo que queria era estar dormindo feito um anjo, mas minha consciência não sossega. Eu só queria pensar que respondi a empregada que eu logo desceria para o café da manhã, porém eu só consigo me lembrar das cenas da madrugada, dos gritos de Blake, Billy idiota, e do Jay com minha moto. 

Jay. A gente não tinha uma relação séria, eu sabia que pra ele era só umas ficadas e nada mais. Mas a gente tem aquela mania de achar que alguma vez pode dá certo, de pensar que de repente você é o sossego de alguém. Que idiota eu sou. Até parece que um cara como Jay Davis levaria alguém a sério, ele só se importa com o próprio umbigo. E na real, todos eles são assim. Canalhas e egoístas.

— Alexia – ouço gritar quando eu já estava pegando no sono novamente. Merda. — Quando é que você vai parar de agir como uma vadia em? – ela gritava enquanto puxava as cobertas de cima do meu corpo.

Eu vestia um pijama com desenhos de cangurus deixando minhas pernas tatuadas à mostra. Felizmente eu havia feito tantas tatuagens pequenas sobre cada momento que me marcou se algum jeito, e a marca do momento é a dos meus pés doendo. E era bom eu me recuperar porque eu sei que Blake vai me procurar pro aí, eu preciso estar bem quando isso acontecer.

— É aquela tal de Billy né? Ela é uma vagabunda igualzinha você. Mas já chega, levante se agora – sua voz autoritária me irrita. Ela batendo as mãos como se eu fosse sua serva que fazia tudo num bater de palmas.

— Que droga, dá pra parar de gritar? – me levanto e pego o edredom me cobrindo novamente.

— Você não vai se deitar de novo. Está com ressaca né? Pois não devia ter bebido, você vai sair daí e vai trabalhar.

As cobertas foram tomadas de mim novamente. Todo santo dia era isso, ela invadia meu quarto, me chamava de vadia e esperava que eu fizesse todas as suas vontades. Era isso ou eu estaria na rua. É cansativo e doloroso ser a vagabunda que ela deu abrigo por pena, porque é exatamente assim que ela me vê. Geórgia competia com diabo pra saber quem me destruiria primeiro.

Saio da cama no instante que ela me deixa sozinha, vou ao banheiro sentindo minhas pernas latejar. Tomei um banho demorado enquanto pensava, pensei tanto que acabei por derramar algumas lágrimas. No fundo eu nunca imaginei que eu poderia me sentir tão mal por alguém, como estou me sentindo por Blake. Eu nunca fui uma garota fraca que não aguenta um porre, nem aquela que desiste fácil. Nunca tive medo de me meter nos rachas com caras desconhecidos, nem de comprar brigas quando um machão se sentia no direito de diminuir a mim ou alguma outra mulher. Eu costumo ser a garota de dezessete anos que praticamente todos da cidade comentam sobre mim.

Para a vizinhança, minha mãe e todo o público rico que a seguia; eu sou mais uma Rebel unbearable que deveria ser mandada pra um internato na Escócia. E para o público jovem que percorre as mesmas pistas, para os caras, Billy eu sou a fodona, a que todos os caras querem transar, a garota malvada que cheira comida vesana, curte arte. E pro pai eu sou uma campeã, uma valentona que iria participar de competições legais e seria um fenómeno das pistas. Eram boas e más notícias sobre mim, mas isso não importava quando ninguém via o que realmente acontecia comigo. Ninguém sabia quê acontecia com a menina que eles viam arriscando sua vida a duzentos quilômetros por hora, quando ela estava em casa, ninguém entendi nada e nem procurava saber. Ninguém sabia por que eu não queria saber o que acontecia a minha volta. Por isso eu choro as escondidas, fumo no banheiro e saio sorrindo como se nada acontece, ninguém se importa com você entendeu. 

Entretanto, pela primeira vez em muitos anos tudo que eu desejava era ter sido interceptada. Era pedir de mais para voltar atrás e reverter todos os elogios sobre mim? Estava doendo demais me lembrar de ouvir dizer que era forte e corajosa, porque num momento como essa eu sofria em dobro. Farsa é isso que sou. Fraca, eu havia sido posta como um lixo no chão e pisada por Blake. Ele me tornou referem dos meus próprios pensamentos, porque agora eu via que quem eu pensava ser nunca existiu, as pessoas que estavam ao meu redor no final das competições nunca existiram de verdade. Tudo mundo estava sendo tão artificial que acabou criando um efeito de verdade envolto das rodadas de tequila que eram virados durante as madrugadas, quando apostava com o Wes, quando dançava seminua sobre a mesa após beber tudo que tinha álcool. Tudo acabou no momento que o sol nasceu, minha alegria era momentânea como um vento fresco numa tarde de verão.

•°•°•

— O quê é isso que você está usando? Eu já escolhi suas roupas – viro-me para olhar as roupas que ela havia deixado separadas sobre a cama e eu não podia acreditar no que estava vendo.

— Eu não vou me vestir disso – aquilo era ridículo e certamente ficaria muito curto em mim, além do mais, eu não abriria mão do meu moletom e das minhas camisetas. 

— Eu escolhi o que você vai vestir para não correr o risco de você ser confundida com um homem mais uma vez.

— Do que você está falando? – abandono o closet e me viro para vê-la melhor. 

— Não importa, apenas faça o que eu mando.

Observo cada pequeno movimento seu, ela só podia estar de brincadeira comigo. Não é que eu não saiba que as pessoas dizem por ai que eu sou gay só porque gosto de camisas masculinas, vivo de calça e sou amazona. E também não me impressiona a mamãe achar minhas roupas horríveis, mas naquele instante ela tinha mais para esconder de mim e isso me fez ter totalmente desconfiança dela.

— Olha mãe, eu já estou bem grandinha para ter que escolher minhas roupas. E se a senhora tem vergonha de mim, pode falar, será um prazer andar bem longe de você.

Bato a porta do closet e fico parada esperando ela se mover pra fora do meu quarto. Suspiro massageando as têmporas, o dia está só começando.

— Você tem cinco minutos e não vai ficar um instante longe de mim.

— Qual é a sua em? Com cinco minutos eu não visto nem essa calcinha, mas se você sumir daqui eu posso tentar ser a Barbie que você tanto sonhou – digo ríspida, e ela por fim se levanta e sai batendo seu salto agulha pelo corredor.

Ela havia deixado um vestido azul de alças grossas, com as costas nuas e um imenso decote na frente. E o cumprimento... minha nossa! Eu nem sei pra quer usar aquilo já que a intenção ali era mostrar todo o corpo. Uso maquiagem para tirar todas as olheiras, a marca de quem chorou, para fingir quem eu não quero ser. Também coloco bastante acessórios e uma sandália de salto prata. Todas aquelas coisas estavam reservadas para eu sair da minha melhor versão e ser a filha perfeita que mora nos sonhos da mamãe e nas mentiras que ela conta para suas amigas. E quer saber, eu não a julgo por cobrar tanto de mim, toda mãe quer uma filha que seja mais parecida com uma princesa, que obedeça que saia para fazer compras e que beije os filhos de empresários ricos. Porém eu não sou assim, e minha mãe teve o azar de todos.

Rebel unbearable = rebelde insuportável. Quem já foi taxado assim clica na estrelinha, e quem nunca comenta aí um "eu nunca".

Antes Que Não Haja Amor Onde as histórias ganham vida. Descobre agora