Conto 12 - Rindo de si mesmo

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            Seus olhos refletiam o brilho aluado e seus ouvidos se contentavam com a melodia marítima. Sua mente era, enfim, capaz de se livrar daquela paixão antiga, daquela decepção amorosa. Sabia que sua vida poderia ser melhor, o cheiro do mar lhe dizia isso. Estava conformado com o fim do seu relacionamento e sentia que ainda havia muito a ser descoberto. Gostava de dizer a si mesmo que o mar estava cheio de mulher, ao invés de peixe.

Sua audição, entretanto, traiu seu devaneio ao ser tomada por um farfalhar de areia molhada. Havia uma mulher muito bonita caminhando numa ansiedade inusitada em direção ao mar. Ele riu pela coincidência com o que estava pensando alguns segundos antes. Observou os movimentos de suas curvas tão perfeitamente cobertas por um vestido branco quase transparente. Sentiu uma excitação pulsar por seus membros, fazendo-lhe levantar e chama-la em vão.

Aproximou-se da água e o líquido gelado lhe acordou para a realidade. Percebeu rapidamente que a mulher se jogou ao mar como quem não pretendia submergir de volta à vida e correu em sua direção. Seus braços venceram as ondas numa velocidade desenfreada como quem precisava desesperadamente impedir uma tragédia.

Suas mãos puxaram o corpo ainda ativo daquela mulher à superfície. Ela tinha os olhos extremamente claros e vivos. Não havia dor e tampouco tristeza, apenas desejo. Então uma ânsia queimou o seu corpo e lhe impulsionou num beijo sem receio e sem pudores na dona daqueles olhos insanos. Sentia até sua mente se aquecer, como se despertasse de um pesadelo, como se, finalmente, sentisse seu coração renovado e a sua mente livre.

Uma saciedade se alastrava pelas veias e a adrenalina não lhe permitia respirar. Seu pulmão não conseguia puxar o ar enquanto seu coração batia tão rápido e tão excitado. Era como se seus membros entrassem num estado latente e até mesmo a sua mente se perdia naquele calor do corpo alheio e naquele gelo da água do mar.

Seus olhos foram capazes de se abrir, uma última vez, mas um brilho lhe ofuscou a visão. Um cintilar esverdeado que parecia vir de uma grande cauda de escamas a cobrir todo aquele corpo perfeito e desenhado como num sonho. Percebeu lentamente que ria de si mesmo ao reconhecer a imagem de uma bela sereia. Imaginou-se perdendo a sanidade, a cor e a vida. Seu riso começara alto e longo, mas foi substituído por um engasgar à medida que um leve sabor salgado tomava conta de sua boca e lhe puxava para as profundezas de um oceano escuro e sem voltas.

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