Descendente do mal.

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Aquele seria o primeiro jantar de Núbia no casarão, o que marcava também, seu primeiro dia naquele lugar. 

A garota e sua tutora Iara estavam sentadas à mesa, enquanto Ângela colocava os pratos e alimentos. Ela trouxe também um jarro de suco natural de laranja e abriu um sorrisinho nervoso para a patroa Iara que não retribuiu tão simpática.

— Cadê o vinho de Edgar? — disse ela.

Ângela arregalou os olhos.

— Oh Deus! Quase me esqueci, já trago, trago sim.

Ela correu para a cozinha e segundos depois, trouxe uma taça e uma garrafa de vinho que sequer tinha marca.

Núbia começava a se perguntar se Edgar realmente existia, pois desde que chegara, não o viu pessoalmente, somente ouviu todos citarem seu nome. É claro que, considerando a provável idade de seu — ao que tudo indicava — tataravô, concluiu que Edgar sequer podia levantar da cama, isso explicava o porquê dele não sair do quarto, porém, o que ouvira sobre Edgar até então, definitivamente não combinava com um pobre velhinho.

— Cadê o Edgar? — murmurou Núbia para Iara que fez cara feia.

— É uma ótima pergunta mocinha. Se aquele gaúcho desgraçado não descer em dez minutos eu... — Iara não terminou a frase ao ver a cara de Núbia. — Oh desculpe... Acho que me esqueci de dizer que eu e seu avô temos uma relação... Um tanto complicada. Mas com o tempo você se acostuma com as ofensas e objetos voando.

Núbia arregalou os olhos e Iara riu, apertando a bochecha de Núbia.

— Fofinha — disse ela depois olhou sobre os ombros de Núbia —. Até que enfim.

Núbia sentiu a energia da sala de jantar ficar pesada e por instinto ficou toda torta na cadeira para ver quem se aproximava. Os passos dele eram silenciosos, somente o barulho de seu cajado de madeira negra ecoava ao bater no chão. Era um homem que aparentava no máximo 60 anos, com poucos fios ruivos entre os cabelos brancos, olhos azul gelo, pele manchada por sardas e expressão rígida. Ele vestia-se todo de preto, camisa, calça e sapato e apesar de ser um senhor muito charmoso e provavelmente já ter sido um homem deveras bonito, não era o tipo de pessoa que alguém tentaria puxar assunto.

— Eu estava ocupado — disse o homem ao fitar Iara com cara brava.

— Eu imagino... Mas tanto faz, bem, essa é sua neta, Edgar — disse Iara apontando para Núbia.

Os olhos gélidos de Edgar e os olhos negros de Núbia se encararam por um bom tempo, em alguns momentos ele pareceu um tanto surpreso e confuso, olhava a tataraneta como se ela o fizesse o lembrar de algo, porém quando ambas as parte desviaram o olhar, ninguém disse nada, somente voltaram à compostura e Edgar sentou-se a seu lugar na mesa.

— Bem, espero que você não nos cause tantos problemas — disse Edgar à Núbia que, somente o encarou daquela forma ameaçadora que ela encarava quando não ia com a cara de alguém.

Edgar a ignorou e derramou vinho em sua taça, vinho este com uma cor um tanto avermelhada, e, mais viscoso do que um vinho costuma ser, porém Edgar parecia realmente gostar daquela bebida e começou a jantar com a cara fechada de quem planeja um assassinato.

Iara comia com tantos modos, que parecia estar numa etapa do Miss Universo e Núbia em um momento perdeu a paciência com a faca e pegou a coxa de frango com a mão.

O jantar prosseguiu em silêncio, Núbia pensou várias vezes em perguntar como Edgar poderia ser seu tataravô e quantos anos ele realmente tinha, mas achou tudo isso muito inconveniente.

A cozinheira medonha, Ângela, ficava na porta acanhada e a todo momento trocava olhares com Iara, depois ambas observavam Edgar se alimentar e logo voltavam a trocar olhares. Núbia queria tanto entender o que ocorria...

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