Capítulo 1 - Nossos Filhos Perfeitos

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— Moça – chamou a senhora desconhecida — seus shorts estão sujos de sangue.

Karen Neves tinha 33 anos. Seu rosto comprido, emoldurado pelo cabelo ondulado e negro, combinava bem com os grandes olhos castanhos, o nariz fino e alongado, a boca carnuda. O corpo, antes esguio, agora dez quilos mais pesado, ostentava com orgulho a barriga de grávida.

Ela havia acabado de completar 36 semanas de gravidez. Ainda faltavam quatro para completar a gestação. Fazia dois meses que estava confinada na casa da mãe, sob cuidados médicos para evitar que o bebê viesse prematuro. Não estava sendo fácil.

Durante aquela manhã, tinha visitado sua obstetra e recebido sinal positivo para passear pela cidade. Resolvera almoçar em um restaurante italiano do centro e estava na fila para pagar quando foi alertada do sangramento.

Soube imediatamente que o tampão tinha rompido e começou a sentir contrações leves. Ligou para a médica que a orientou a voltar para casa e aguardar. Era cedo demais para fazer o parto.

Apesar das dores que sentia, conseguiu dormir até o dia seguinte. Quando acordou, sentia-se estranha e desconfortável. As contrações persistiram durante toda a manhã, ora mais leves ora mais fortes. Logo depois do almoço, foi levada para o hospital. Os exames indicavam que a criança estava com duas voltas do cordão umbilical no pescoço. "Vai ser preciso fazer uma cesárea", disseram os médicos. Não houve tempo para nenhum planejamento. Karen tinha almoçado antes de ser anestesiada, quando a recomendação é um jejum de 12 horas.

Às três da tarde, com um lindo cabelo cor de cobre e chorando a plenos pulmões, Nina veio ao mundo. Era 10 de dezembro de 2010 e o tempo estava absurdamente quente, até mesmo para o verão. Receosa pelo resultado de uma gravidez repleta de contratempos, a mãe mal acreditou quando a enfermeira depositou a menina em seus braços e disse:

— Parabéns, sua filha é perfeita.

Receberam a visita de parentes e amigos ainda no hospital e tiveram alta menos de 24 horas depois. Em seus primeiros meses de vida, Nina ficou na casa da avó materna, num bairro de classe média alta em Poços de Caldas.

Uma criança risonha e receptiva. Dormia calmamente à noite e quase não dava trabalho para os pais. Quando completou o sexto mês, se mudaram para a cidade de Marbella, na Espanha.

 Quando completou o sexto mês, se mudaram para a cidade de Marbella, na Espanha

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Cristina cresceu em uma família grande. Era a segunda de seis irmãos e mostrava orgulho em ter ajudado os pais na criação dos quatro mais novos. Agora, já casada, aguardava sua terceira filha, Milena. A gravidez acontecera assim que ela e o marido pararam de usar métodos anticoncepcionais e os exames pré-natais tiveram início na terceira semana de gestação.

Seus dois primeiros filhos, um menino e uma menina, nasceram por parto natural e Cristina não quis anestesia. O casal tinha a expectativa de que o novo bebê viesse ao mundo da mesma maneira, mas não foi assim.

Em novembro de 2002, depois de um trabalho de parto de 24 horas, a médica acabou optando por uma cesárea. Milena nasceu no Hospital Santa Catarina, em Uberlândia. Tinha o rosto redondo, o corpo cheio de dobrinhas e um cabelinho liso e negro. Era um bebê grande, lindo e, segundo as avaliações, saudável.

Quando chegaram em casa, os pais logo notaram que a recém-nascida era extremamente quieta. Nada parecia desagradá-la e quase não chorava. Também dormia bem todas as noites. "Ela é tão boazinha", pensavam.

Um exame que comprovava a esterilidade de Rogério parecia querer por fim ao sonho de Flávia de se tornar mãe

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Um exame que comprovava a esterilidade de Rogério parecia querer por fim ao sonho de Flávia de se tornar mãe. Desolado, o casal deixou o consultório médico com um resquício de esperança: o doutor sugerira uma cirurgia que poderia reverter o quadro e acabar com as frustrações dos dois.

A operação foi realizada no Hospital da Providência, em Apucarana, Paraná. Pouco mais de nove meses depois, Heloísa Straliotti veio ao mundo no outro hospital da cidade. A filha de Flávia e Rogério era considerada por todos um milagre. Diferente de muitos casos que o casal conhecia e entreouvira em conversas familiares, aquela gravidez fora planejada desde o início. Com uma gestação extremamente tranquila e quase sem enjoos, a mamãe de primeira viagem ignorou o fato de que a pequena se mexia demasiadamente dentro de sua barriga vinte quilos maior.

Na vigésima sétima semana de gravidez, o casal já estava com tudo preparado para receber Heloísa. O quarto da criança, as lembrancinhas para os parentes e amigos que visitassem a nova família no hospital no dia em que a cesariana estava marcada estavam prontos. A menina nasceu no dia 12 de março de 2008. Os pais mal cabiam em si de orgulho, o bebê era perfeito.

A avó materna de Heloísa passava as manhãs e tardes na casa da filha a fim de ajudar. Durante os quinze primeiros dias da criança fora do hospital, tratou de dividir com o casal a tarefa de cuidar, dar banho e trocar fraldas. A amamentação, que seria tarefa exclusiva da mãe, também acabou ficando por conta dos três. Heloísa alternava entre a mamadeira e o leite materno. Logo depois, apresentou uma intolerância à lactose e a recomendação médica foi o leite de soja até que completasse um ano de idade.

Fora isto, o desenvolvimento da criança era normal e bastante satisfatório. Flávia e Rogério se emocionavam a cada dia, mais do que amor, sentiam admiração pela pequena.

Ana Maria sonhava ser mãe

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Ana Maria sonhava ser mãe. Ao se casar pela segunda vez, ela e o marido se inscreveram em um programa de adoção. A espera demorou dois anos e 300 quilômetros de expectativa entre São Paulo e a Santa Casa de Ourinhos, no interior do estado, onde os aguardavam os gêmeos Rafael e Renato.

Mas, antes que pudessem ver as crianças, passaram o dia no fórum da cidade. A burocracia da adoção exigia que conversassem com psicólogos, assistentes sociais, com o juiz da comarca e também com o médico que realizou o parto. Foi só quando o sol já se punha que o casal finalmente pode estar com os meninos nos braços. "Nossos filhos", disse a mãe, comovida.

Sentindo que ali começavam uma nova vida, Ana Maria e Carlos voltaram para casa. Agora, com a família completa. Os gêmeos estavam com 19 dias de vida. Eram espertos, calmos e se adaptaram bem ao novo lar.

Era 1994 e Ana Maria estava feliz como nunca antes estivera. "Nossos filhos", repetia para si mesma quase todos os dias.


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⏰ Última atualização: Mar 16, 2018 ⏰

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